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Cristo abre o homem ao conhecimento de Deus e de si mesmo

Em setembro de 2000, no Jubileu dos Professores Universitários, o Papa João Paulo II fez um antológico discurso, lembrando o "Efatá"("Abre-te!" - Mc 7, 34) de Jesus na cura do surdo-mudo (Mc 7, 34).
Dizia ele que "esta palavra, pronunciada por Jesus na cura do surdo-mudo, ressoa hoje para nós; é uma palavra sugestiva, de grande intensidade simbólica, que nos exorta a abrir-nos à escuta e ao testemunho."
Algumas frases do seu discurso:
  • O surdo-mudo, de que fala o Evangelho, não evoca porventura a situação de quem não consegue instaurar uma comunicação que dê verdadeiro sentido à existência? De qualquer forma, faz pensar no homem que se fecha numa presumível autonomia, na qual acaba por se encontrar isolado em relação a Deus e com frequência também no que diz respeito ao próximo.
  • Cristo abre o homem ao conhecimento de Deus e de si mesmo. Ele que é a verdade (cf. Jo 14, 6) abre-o à verdade, sensibilizando-o interiormente e curando assim todas as suas faculdades "a partir de dentro".
  • Cristo é Aquele que "faz bem todas as coisas" (Mc 7, 37). Ele é o modelo para o qual se deve olhar constantemente, a fim de fazer da própria actividade académica um serviço eficaz à aspiração humana por um conhecimento da verdade cada vez mais íntegro.
  • Caríssimos professores universitários, também a vossa missão se inscreve nestas palavras de Isaías. Todos os dias estais empenhados em anunciar, salvaguardar e difundir a verdade. Trata-se com frequência de verdades concernentes às mais diversificadas realidades do cosmos e da história. Assim como nos âmbitos da teologia e da filosofia, nem sempre o debate diz directamente respeito ao problema do sentido último da vida e à relação com Deus. Mas de qualquer forma este é o horizonte mais vasto de cada pensamento. Mesmo nas investigações acerca de aspectos da vida que parecem totalmente afastados da fé se esconde um desejo de verdade e de sentido que vai para além do particular e do contingente.
  • Quando o homem não é espiritualmente "surdo-mudo", cada percurso do pensamento, da ciência e da experiência lhe oferece também um reflexo do Criador e lhe suscita um desejo d'Ele, com frequência escondido e talvez também reprimido, mas insuprimível. Santo Agostinho compreendia bem isto, e exclamava: "Criastes-nos para Vós [ó Senhor], e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansar em Vós" (Confissões, 1, 1).
  • A liberdade da investigação nada tem a temer deste encontro com Cristo. Ele não prejudica nem sequer o diálogo e o respeito às pessoas, uma vez que a verdade cristã por sua natureza deve ser proposta e jamais imposta, e tem como ponto de referência o profundo respeito pelo "sacrário da consciência" (Redemptoris missio, 39; cf. Redemptor hominis, 12; Concílio Ecuménico Vaticano II, Dignitatis humanae, 3).
  • O carácter humanista da cultura às vezes parece ser secundário, enquanto se acentua a tendência a reduzir o horizonte do saber àquilo que se pode medir, e a descuidar todos os temas que dizem respeito ao significado último da realidade.
  • Diante do desafio de um novo Humanismo que seja autêntico e integral, a Universidade tem necessidade de pessoas atentas à Palavra do único Mestre; precisa de profissionais qualificados e de credíveis testemunhas de Cristo.
  • Fixando o olhar no mistério do Verbo encarnado (cf. Bula Incarnationis mysterium, 1), o homem encontra-se a si mesmo (cf. Gaudium et spes, 22). Ele experimenta também um íntimo júbilo, que se exprime no mesmo estilo interior do estudo e do ensino. Assim, a ciência ultrapassa os limites que a reduzem a um mero processo funcional e pragmático, para reencontrar a sua dignidade de investigação ao serviço do homem na sua verdade total, iluminada e orientada pelo Evangelho.
  • Caríssimos Professores e Estudantes, esta é a vossa vocação: fazer da Universidade o ambiente em que se cultiva o saber, o lugar onde a pessoa encontra projectos, sabedoria e impulso ao serviço qualificado da sociedade.

Fonte: Vatican.va

FELIZ NATAL !!!
"E o Verbo se fez carne
e habitou entre nós,
e vimos sua glória..."
(Jo 1, 14)

Ciencia e Fé

O site do Instituto John henry Newman, na seção "Em busca do mundo", traz vários artigos interessantes relacionados à ciência e à fé.
Vale apena conferir. Clique aqui

Bento XVI advoga por «ecologia do homem»

A ideologia de gênero altera a constituição da natureza humana, adverte o Papa
Por Jesús Colina CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 22 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- A defesa da natureza não é algo acessório para a Igreja, mas faz parte de sua natureza, afirmou Bento XVI nesta segunda-feira.
«Dado que a fé no Criador é parte essencial do credo cristão, a Igreja não pode e não deve limitar-se a transmitir a seus fiéis só a mensagem da salvação», afirmou o Papa, que no início de 2009 publicará uma encíclica de caráter social. «Ela também tem uma responsabilidade com relação à criação – advertiu – e tem de cumprir esta responsabilidade em público.» No cumprimento desta missão, acrescentou, a Igreja «não só tem de defender a terra, a água, o ar, como dons da criação que pertencem a todos. Tem de proteger também o homem contra sua própria destruição». «É necessário que haja algo como uma ecologia do homem, entendida no sentido justo», assegurou. Esta ecologia humana, afirmou, baseia-se no respeito dos gêneros, masculino e feminino, que fazem parte da natureza humana. O bispo de Roma o disse com estas palavras: «Quando a Igreja fala da natureza do ser humano como homem e mulher e pede que se respeite esta ordem da criação, não está expondo uma metafísica superada». Trata-se, assegurou, «da fé no Criador e da escuta da linguagem da criação, cujo desprezo significaria a auto-destruição do homem e, portanto, uma destruição da própria obra de Deus». O pontífice advertiu sobre a manipulação que acontece em fóruns nacionais e internacionais quando se altera o termo «gender» (gênero). Com freqüência, como aconteceu na quinta-feira passada na assembléia geral das Nações Unidas, utilizam termos como «orientação sexual» ou «identidade de gênero» para reconhecer o pretendido «casamento» homossexual. «O que com freqüência se expressa e entende com o termo ‘gender’ se sintetiza em definitivo na auto-emancipação do homem da criação e do Criador. O homem quer fazer-se por sua conta, e decidir sempre e exclusivamente só sobre o que lhe afeta», constatou o pontífice. Mas deste modo, advertiu, «vive contra a verdade, vive contra o Espírito criador». «Os bosques tropicais merecem, certamente, nossa proteção, mas não menos a merece o homem como criatura, na qual está inscrita uma mensagem que não contradiz a nossa liberdade, mas é sua condição», indicou. Por isso, declarou, «grandes teólogos da escolástica qualificaram o matrimônio, ou seja, o laço para a vida toda entre o homem e a mulher, como sacramento da criação, instituído pelo Criador e que Cristo – sem modificar a mensagem da criação – acolheu depois na história de sua aliança com os homens».«Faz parte do anúncio que a Igreja deve oferecer o testemunho a favor do Espírito criador presente na natureza em seu conjunto, de maneira especial na natureza do homem criado à imagem de Deus», concluiu.
Fonte: Zenit

Papa fala do apreço da Igreja pela astronomia e ciência em geral

Por Inma Álvarez CIDADE DO VATICANO, domingo, 21 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- O Papa aproveitou hoje sua reflexão na oração do Ângelus, na Praça de São Pedro com os peregrinos ali congregados, para falar do apreço que a Igreja tem pela ciência e pela astronomia em particular. Aludindo à coincidência da oração do Ângelus de hoje com o solstício de inverno no hemisfério norte da terra (dia mais curto do ano, que marca a transição entre os dias decrescentes do outono e os dias crescentes do inverno e a primavera), o Papa explicou que o Natal, próximo a este dia, tem «uma dimensão cósmica» além de histórica. De fato, explicou, para Jesus a liturgia é «sol de graça que, com sua luz, transfigura e ilumina o universo em espera». A propósito desta coincidência, Bento XVI aludiu à importância da astronomia, já desde a antiguidade, e inclusive entre os próprios Papas, para determinar os tempos e as horas litúrgicas, como a própria oração do Ângelus, que se reza «pela manhã, ao meio dia e pela noite». «Entre os meus Predecessores de venerada memória houveram apreciadores desta ciência, como Silvestre II, que a ensinou, Gregório XIII, a quem devemos nosso calendário, e são Pio X, que sabia construir relógios solares», explicou. O Papa explicou também que a própria Praça de São Pedro «é também um meridiano: o grande obelisco, de fato, lança sua sombra ao longo de uma linha que corre sobre o pavimento até a fonte sob esta janela, e nestes dias a sombra é a mais longa do ano». Neste sentido, se referiu à próxima celebração do ano 2009, dedicado à astronomia, ao completar-se o 4º centenário das primeiras observações com o telescópio de Galileu Galilei, e mandou uma saudação «a todos aqueles que participarão em vários encargos às iniciativas para o ano mundial da astronomia». «Se os céus, segundo as belas palavras do salmista, «narram a glória de Deus» (Sal 19[18], 2), também as leis da natureza, que no curso dos séculos tantos homens e mulheres da ciência nos fizeram entender sempre melhor, são um grande estímulo a contemplar com gratidão as obras do Senhor», concluiu.

Fonte: Zenit

Como comunicar esperança

Entrevista com o catedrático Juan José García-Noblejas
Por Miriam Díez i Bosch ROMA, sexta-feira, 19 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- A acolhida da encíclica «Spe Salvi» entre os filósofos gerou «tristezas e alegrias», «mais desta última, certamente», destaca o professor Juan José García-Noblejas, catedrático de Teoria da Comunicação e de Roteiro na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma. O professor García-Noblejas concedeu esta entrevista à Zenit em pleno Advento, um momento adequado para refletir sobre a esperança com a segunda encíclica papal. García-Noblejas (blog em http://scriptor.org/) é diretor do Seminário Interdisciplinar Permanente e do Congresso bienal de «Poética & Cristianismo», da Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Publicou, entre outros, os seguintes livros: «Poética do texto audiovisual» (1982), «Comunicação e mundos possíveis» (1996, 2004), «Meios de conspiração social» (1998, 2006), «Comunicação manchada» (2000).
– Como foi acolhida a Spe salvi em ambientes filosóficos?
– García-Noblejas: Sendo «performativa», como é a segunda encíclica de Bento XVI, não pode ter deixado indiferente nenhum intelectual que a tenha lido. Em parte imagino e em parte vejo que os ambientes filosóficos – dito seja em poucas palavras – são como os habitantes de Éfeso: todos, antes de encontrar-se com Deus, tinham muitos deuses e «estavam sem esperança, sem Deus». Alguns acolheram com alegria o anúncio como encontro pessoal e real com Deus. Outros, imagino, continuaram tristes, sujos com seus deuses. Estar alegre significa «posso conseguir o que hei de conseguir», enquanto estar triste significa fundir-se em um «não posso» que depois se justifica de mil maneiras. É verdade que por nós mesmos não podemos nada. Mas a esperança vem com o chegar a conhecer o Deus verdadeiro, e é – mais que uma iniciativa nossa – uma resposta à sua atitude de sair a nosso encontro. É um assunto pessoal, não só intelectual, que – entre outras coisas – tem a ver com o reconhecer-se e saber-se filho de Deus. Não sei por que, mas ao ler a encíclica, tive quase o tempo todo na imaginação a história do filho pródigo, com o pai correndo ao seu encontro, assim como a lembrança do magnífico quadro de Rembrandt, com essa mão paterna sobre o ombro do filho. Entre os filósofos que disseram algo sobre a «Spe Salvi», houve tristezas e alegrias. Mais desta última. Para ser breve, não quero falar em concreto dos tristões que preferiram ficar com seus deusesinhos, e que – como bem diz o Papa – «rejeitam hoje a fé simplesmente porque a vida eterna não lhes parece algo desejável» ou porque preferem uma contra-figura do «paraíso perdido» em forma de «reino do homem» através da ciência e da tecnologia. Entre os muitos que a receberam com alegria, por destacar só um caso entre centenas, citarei o que o filósofo Jaime Nubiola (Universidade de Navarra) menciona da professora Alejandra Carrasco (Universidade Católica do Chile), fascinada por esta encíclica, pois ilustra graficamente a diferença entre a esperança vulgar e a verdadeira esperança cristã: «A substância da fé, o já estar presente, torna o Evangelho performativo. Não é que eu espere a vida eterna, mas também que Deus está me esperando. Quando duas pessoas se amam e se olham, não se cansam de sustentar o olhar uma na outra. E esse cruzar de olhares muda o sentido de sua vida. Pensei nesta analogia: uma mulher deseja ter um filho, espera ficar grávida e essa esperança a enche de alegria. Mas não é esta a esperança cristã. A esperança cristã é mais como a da mulher que já está grávida. O filho já está nela, é uma realidade presente, que muda necessariamente seu modo de viver. A primeira pode esquecer sua esperança um dia e embebedar-se, mas causa dano a seu filho. Por isso não o faz, ou é muito mais difícil que o faça. Já grávida, esperando um filho, sua vida inteira se transforma». A encíclica foi muito bem recebida, certamente à margem das críticas habituais de quem erroneamente se empenha em dizer que a Igreja se dedica a anatematizar a modernidade, o progresso ou a democracia.
– A esperança cristã é individualista?
– García-Noblejas: Poderia dizer-se muito acerca da necessária e imprescindível dimensão «social», e não só «individual» que todos nós temos, fazendo parte de nossa própria natureza misteriosa, sem objetivo. Inclusive se poderia dizer que pertencemos ao «reino pessoal» no qual – em uma distância ontológica infinita – estão as três Pessoas divinas. E o próprio das pessoas é relacionar-nos. Basta advertir que o próprio Bento XVI aceita o desafio de pensar esta pergunta: «...não recaímos talvez no individualismo da salvação?» E responde: «Não. A relação com Deus se estabelece através da comunhão com Jesus, pois única e exclusivamente com nossas forças não a podemos alcançar. Ao contrário, a relação com Jesus é uma relação com Aquele que entregou a si mesmo em resgate por todos nós (cf. 1 Tm 2, 6). Estar em comunhão com Jesus Cristo nos faz participar de seu ser «para todos», faz que este seja nosso modo de ser. Compromete-nos em favor dos demais, mas só estando em comunhão com Ele podemos realmente chegar a ser para os demais, para todos». E isso tem a ver com o sofrimento.
– E de que maneira o sofrimento se vincula à esperança?
– García-Noblejas: Para fazer justiça aos âmbitos filosóficos contemporâneos, não resta mais remédio que falar do «rosto sofredor do outro», sobre o qual nos fala E.Levinas. Como bem diz G. Zanotti (Instituto Acton), o cristão encontra Cristo, sua salvação, no olhar de amor ao outro. Este é um ponto que pede atenção, porque muitos cristãos vivem de modo contrário à sua própria fé quando não vêem o outro com amor. E alguns, diante do sofrimento, crêem sinceramente que amam o próximo quando aderem a ideologias ou utopias políticas onde o advento de estruturas temporais implicará um Deus na Terra. Diante disso não nos deve estranhar que Gandhi – sem entender o cristianismo – tenha dito que «o cristianismo lhe parece muito bom, o problema são os cristãos». Não é por acaso que a primeira encíclica de Bento XVI se chamou «Deus caritas est». Sendo o sofrimento, próprio e alheio, uma situação de aprendizagem da esperança, Bento XVI nos diz com clareza: «convém certamente fazer todo o possível para diminuir o sofrimento», ainda que «o que cura o homem não é o esquivar-se do sofrimento, mas a capacidade de aceitar a tribulação, amadurecer nela e encontrar nela um sentido mediante a união com Cristo, que sofreu com amor infinito». É preciso saber sofrer com os demais e pelos demais: «uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem é uma sociedade cruel e inumana».
– Como se pode comunicar melhor a esperança cristã, o próprio Deus?
– García-Noblejas: Entendo que não seria brincar com as palavras dizer que, em assuntos de comunicação interpessoal e pública, temos de ser «performativos», porque essa mesma comunicação o é. Uma «notícia», recorda o filósofo Robert A. Gahl ao falar da «Spe Salvi» com palavras do novelista Walker Percy, não é mera «informação», mas é algo que muda o mundo para as pessoas, como acontece quando a um náufrago lhe chega a notícia de que foi encontrado e logo chegarão para buscá-lo. Sem entrar em matizes que não vêm ao caso aqui, entendo que a comunicação da esperança e do próprio Deus tem a ver, em parte, com saber dar razão do mal e de nossas deficiências em um mundo não maniqueísta, mas mostrando aquilo que São Josemaría Escrivá mencionava como tarefa especialmente cristã: a necessidade de afogar o mal em superabundância de bem. Porque, como ele diz, «nas empresas de apostolado, está bem – é um dever – que consideres teus meios terrenos (2 + 2 = 4), mas não te esqueças nunca que deves contar com outra soma: Deus + 2 + 2...». Bento XVI fala dessa soma ao longo da «Spe salvi».
Fonte: Zenit

Que Deus é este?

Fuga de Maria e do Menino Jesus para o Egito, retratada por Caravaggio (1571-1610)
Boa parte das nações e dos homens celebra, nesta semana, o nascimento do Cristo, e uma vez mais nos perguntamos, e o faremos eternidade afora: qual é o lugar de Deus num mundo de iniqüidades? Até quando há de permitir tamanha luta entre o Bem e o Mal? Até Ele fechou os olhos diante das vítimas do nazismo em Auschwitz, dos soviéticos que pereceram no Gulag, da fome dizimando milhões depois da revolução chinesa? E hoje, "Senhor Deus dos Desgraçados" (como O chamou o poeta Castro Alves)? Darfur, a África Subsaariana, o Oriente Médio... Então não vê o triunfo do horror, da morte e da fúria? Por que um Deus inerme, se é mesmo Deus, diante das "espectrais procissões de braços estendidos", como escreveu Carlos Drummond de Andrade? Que Deus é este, olímpico também diante dos indivíduos? Olhemos a tristeza dos becos escuros e sujos do mundo, onde um homem acaba de fechar os olhos pela última vez, levando estampada na retina a imagem de seu sonho – pequenino e, ainda assim, frustrado... Até quando haveremos de honrá-Lo com nossa dor, com nossas chagas, com nosso sofrimento? Até quando pessoas miseráveis, anônimas, rejeitadas até pela morte, murcharão aos poucos na sua insignificância, fazendo o inventário de suas pequenas solidões, colecionando tudo o que não têm – e o que é pior: nem se revoltam? Se Ele realmente nos criou, por que nos fez essa coisa tão lastimável como espécie e como espécimes? Se ao menos tirasse de nosso coração os anseios, os desejos, para que aprendêssemos a ser pedra, a ser árvore, a ser bicho entre bichos... Mas nem isso. Somos uns macacos pelados, plenos de fúrias e delicadezas (e estas nos doem mais do que aquelas), a vagar com a cruz nos ombros e a memória em carne viva. Se a nossa alma é mesmo imortal, por que lamentamos tanto a morte, como observou o latino Lucrécio (séc. I a.C.)? Se há um Deus, por que Ele não nos dá tudo aquilo que um mundo sem Deus nos sonega? Evito, leitor, tratar aqui do mistério da fé, que poderia, sim, responder a algumas perplexidades. O que me interessa neste texto é a mensagem do Cristo como uma ética entre pessoas, povos e até religiões. Não pretendo, com isso, solapar a dimensão mística do Salvador, mas dar relevo a sua dimensão humana. O cristianismo é o inequívoco fundador do humanismo moderno porque é o criador do homem universal, de quem nada se exigia de prévio para reivindicar a condição de filho de Deus e irmão dos demais homens. É o fundamento religioso do que, no mundo laico, é o princípio da democracia contemporânea. Não por acaso, a chamada "civilização ocidental" é entendida, nos seus valores essenciais, como "democrática" e "cristã". Isso tudo é história, não gosto ou crença. Falo das iniqüidades porque é com elas que se costuma contrastar a eventual existência de uma ordem divina. Segundo essa perspectiva, se o Mal subsiste, então não pode haver um Deus, que só seria compatível com o Bem perpétuo. Ocorre que isso tiraria dos nossos ombros o peso das escolhas, a responsabilidade do discernimento, a necessidade de uma ética. Nesse caso, o homem só seria viável se isolado no Paraíso, imerso numa natureza necessariamente benfazeja e generosa. O cristianismo – assim como as demais religiões (e também a ciência) – existe é no mundo das imperfeições, no mundo dos homens. Contestar a existência de Deus segundo esses termos corresponde a acenar para uma felicidade perpétua só possível num tempo mítico. E as religiões são histórias encarnadas, humanas. Em Auschwitz, no Gulag ou em Darfur, vê-se, sem dúvida, a dimensão trágica da liberdade: a escolha do Mal. E isso quer dizer, sim, a renúncia a Deus. Mas também se assiste à dramática renúncia ao homem. Esperavam talvez que se dissesse aqui que o Mal Absoluto decorre da deposição da Cruz em favor de alguma outra crença ou convicção. A piedade cristã certamente se ausentou de todos esses palcos da barbárie. Mas, com ela, entrou em falência a Razão, humana e salvadora. Fé e Razão são categorias opostas, mas nasceram ao mesmo tempo e de um mesmo esforço: entender o mundo, estabelecendo uma hierarquia de valores que possa ser por todos interiorizada. As cenas das mulheres de Darfur fugindo com suas crianças, empurradas pela barbárie, remetem, é inevitável, à fuga de Maria e do Menino Jesus para o Egito, retratada por Caravaggio (1571-1610) na imagem que ilustra este texto – o carpinteiro José segura a partitura para o anjo. As representações dessa passagem, pouco importam pintor ou escola, nunca são tristes (esta vem até com música), ainda que se conheça o desfecho da história. É o cuidado materno, símbolo praticamente universal do amor de salvação, sobrepondo-se à violência irracional que o persegue. Nazismo, comunismo, tribalismos contemporâneos tornados ideologias... São movimentos, cada um praticando o horror a seu próprio modo, que destruíram e que destroem, sem dúvida, a autoridade divina. Mas nenhum deles triunfou sem a destruição, também, da autoridade humana, subvertendo os valores da Razão (afinal, acreditamos que ela busca o Bem) e, para os cristãos, a santidade da vida. Todas as irrupções revolucionárias destruíram os valores que as animaram, como Saturno engolindo os próprios filhos. O progresso está com os que conservam o mundo, reformando-o. Pedem-me que prove que um mundo com Deus é melhor do que um mundo sem Deus? Se nos pedissem, observou Chesterton (1874-1936), pensador católico inglês, para provar que a civilização é melhor do que a selvageria, olharíamos ao redor um tanto desesperados e conseguiríamos, no máximo, ser estupidamente parciais e reducionistas: "Ah, na civilização, há livros, estantes, computador..." Querem ver? "Prove, articulista, que o estado de direito, que segue os ritos processuais, é mais justo do que os tribunais populares." E haveria uma grande chance de a civilização do estado de direito parecer mais ineficiente, mais fraca, do que a barbárie do tribunal popular. Há casos em que é mais fácil exibir cabeças do que provas. A convicção plena, às vezes, é um tanto desamparada. Este artigo não trata do mistério da fé, mas da força da esperança, que é o cerne da mensagem cristã, como queria o apóstolo Paulo: "É na esperança que somos salvos". O que ganha quem se esforça para roubá-la do homem, fale em nome da Razão, da Natureza ou de algum outro Ente maiúsculo qualquer? E trato da esperança nos dois sentidos possíveis da palavra: o que tenta despertar os homens para a fraternidade universal, com todas as suas implicações morais, e o que acena para a vida eterna. O ladrão de esperanças não leva nada que lhe seja útil e ainda nos torna mais pobres de anseios. O cristianismo já foi acusado de morbidamente triste, avesso à felicidade e ao prazer de viver, e também de ópio das massas, cobrindo a realidade com o véu de uma fantasia conformista, que as impedia de ver a verdade. Ao pregar o perdão, dizem, é filosofia da tibieza; ao reafirmar a autoridade divina, acusam, é autoritário. Pouco afeito à subversão da autoridade humana, apontam seu servilismo; ao acenar com o reino de Deus, sua ambição desmedida. Em meio a tantos opostos, subsiste como uma promessa, mas também como disciplina vivida, que não foge à luta. Precisamos do Cristo não porque os homens se esquecem de ter fé, mas porque, com freqüência, eles abandonam a Razão e cedem ao horror. Sem essa certeza, Darfur – a guerra do forte contra o indefeso, da criança contra o fuzil, do bruto contra a mulher –, uma tragédia que o mundo ignora, seria ainda mais insuportável.

INSTRUÇÃO DIGNITAS PERSONAE

* Num post recente publicamos uma sintese da Intsrução Dignitas persona, divulgada pela Santa Sé . Agora, a mesma, acaba de publicar o documento na integra. Neste post publicamos apenas a introdução. Mas, no final deste, se encontra o link para a página da Santa Sé na qual o documento foi publicado.
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
INSTRUÇÃO DIGNITAS PERSONAE
SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE BIOÉTICA
INTRODUÇÃO
1. A todo o ser humano, desde a concepção até à morte natural, deve reconhecer-se a dignidade de pessoa. Este princípio fundamental, que exprime um grande «sim» à vida humana, deve ser colocado no centro da reflexão ética sobre a investigação biomédica, que tem uma importância cada vez maior no mundo de hoje. O Magistério da Igreja já interveio outras vezes para esclarecer e resolver os problemas morais relativos a essa matéria. De particular relevância foi a Instrução Donum vitae[1]. Vinte anos depois da sua publicação, achou-se oportuno proceder a uma actualização desse documento. O ensinamento da referida Instrução conserva intacto o seu valor, tanto nos princípios enunciados como nas avaliações morais expressas. Todavia, as novas tecnologias biomédicas, introduzidas neste delicado âmbito da vida do ser humano e da família, provocam ulteriores interrogações, em particular no sector da investigação sobre os embriões humanos e do uso das células estaminais para fins terapêuticos, bem como noutros âmbitos da medicina experimental, levantando assim novas perguntas que pedem outras tantas respostas. A rapidez dos progressos feitos no âmbito científico e a sua amplificação através dos meios de comunicação social criam expectativas e perplexidades em sectores cada vez mais vastos da opinião pública. A fim de regulamentar juridicamente esses problemas, as Assembleias Legislativas são muitas vezes chamadas a tomar decisões, recorrendo por vezes também à consulta popular. Estas razões levaram a Congregação para a Doutrina da Fé a elaborar uma nova Instrução de natureza doutrinal, que enfrenta algumas problemáticas recentes à luz dos critérios enunciados na Instrução Donum vitae e reexamina outros temas já tratados, mas que se considera merecerem ulteriores esclarecimentos.
2. Ao fazer este exame, procura-se ter sempre presentes os aspectos científicos, servindo-se, na análise, da Pontifícia Academia para a Vida e de um grande número de peritos, para os confrontar com os princípios da antropologia cristã. As encíclicas Veritatis Splendor [2] e Evangelium vitae[3] de João Paulo II e outras intervenções do Magistério oferecem claras indicações de método e de conteúdo em ordem ao exame dos problemas em questão. No variegado panorama filosófico e científico actual, é possível constatar uma ampla e qualificada presença de cientistas e filósofos que, no espírito do juramento de Hipócrates, concebem a ciência médica como um serviço à fragilidade do homem para a cura das doenças, o alívio do sofrimento, e para alargar com equidade a toda a humanidade a necessária assistência. Não faltam, porém, representantes da filosofia e da ciência que encaram o crescente progresso das tecnologias biomédicas numa perspectiva substancialmente eugenética.
3. A Igreja Católica, ao propor princípios e avaliações morais para a investigação biomédica sobre a vida humana, recorre à luz da razão e da fé, contribuindo para a elaboração de uma visão integral do homem e da sua vocação, capaz de acolher tudo o que de bom emerge das obras dos homens e das várias tradições culturais e religiosas, que não raras vezes mostram uma grande reverência pela vida. O Magistério pretende dar uma palavra de encorajamento e de confiança em favor de uma perspectiva cultural que vê a ciência como precioso serviço ao bem integral da vida e da dignidade de cada ser humano. A Igreja, portanto, olha com esperança para a investigação científica, esperando que muitos cristãos se dediquem ao progresso da biomedicina e testemunhem a própria fé nesse âmbito. Espera igualmente que os resultados dessa investigação sejam postos à disposição também das áreas pobres e atingidas por doenças, de modo a enfrentaras necessidades mais urgentes e dramáticas do ponto de vista humanitário. Por fim, a Igreja pretende estar presente ao lado de cada pessoa que sofre no corpo e no espírito, para lhe dar não só um conforto, mas a luz e a esperança. Estas dão sentido também aos momentos da doença e à experiência da morte, que pertencem efectivamente à vida do homem e marcam a sua história, abrindo-a ao mistério da Ressurreição. O olhar da Igreja está, de facto, repleto de confiança, porque «a vida vencerá: esta é para nós uma esperança segura. Sim, a vida vencerá, porque do lado da vida estão a verdade, o bem, a alegria e o verdadeiro progresso. Do lado da vida está Deus, que ama a vida e a doa em abundância»[4]. A presente Instrução dirige-se aos fiéis e a todos os que procuram a verdade[5]. Consta de três partes: a primeira recorda alguns aspectos antropológicos, teológicos e éticos de importância capital; a segunda enfrenta novos problemas em matéria de procriação; a terceira examina algumas novas propostas terapêuticas que comportam a manipulação do embrião ou do património genético humano.
Para ler o documento na integra, clique aqui.
Fonte: Santa Sé

O homem e o animal: o comum e o diferente

Entrevista ao professor Leopoldo Prieto, LC
Qual é a diferença entre o homem e o animal? Esta pergunta clássica continua apaixonando milhões de pessoas no início do século XXI. Um livro oferece agora uma resposta científica e cristã.
«Acima de sua condição biológica, o homem é chamado a abrir-se pelo conhecimento a novas realidades», disse Bento XVI em uma homilia de 9 de março de 2008. Também os animais conhecem — afirmava o Papa — «mas só aquelas coisas que dizem respeito a sua vida biológica». Diferente deles, «o homem tem sede de conhecer o infinito». Estas palavras do Papa encerram uma orientação para a cultura de nossos dias na candente, e nem sempre clara, questão do homem e o animal. Para compreender melhor este fenômeno cultural de nosso tempo, Zenit entrevistou Leopoldo Prieto López, LC, professor de filosofia no Ateneu Pontifício Regina Apostolorum (Roma), interessando-se por seu livro, recentemente publicado na Espanha, «O homem e o animal: novas fronteiras da antropologia» (BAC, Madri, 2008). O volume apresenta os resultados de diversas investigações interdisciplinares de biologia e filosofia sobre o tema do homem e de suas relações com o mundo animal.
—Qual o seu objetivo ao escrever este livro?
—Pe. Leopoldo Prieto: Um objetivo simples, mas que considero promissor para a renovação dos estudos sobre o homem. Até o começo do século XX a antropologia era elaborada pensando quase exclusivamente nas faculdades do espírito humano (entendimento e vontade). Chamava-se por isso psicologia racional. Mas como as faculdades racionais são algo peculiar que diferencia o homem do animal, deixava-se de lado o estudo das dimensões físicas da natureza humana, comuns com o mundo animal. Este enfoque supunha um certo cartesianismo de fundo e, sobre tudo, a perda da fecunda doutrina aristotélica da alma como «forma» do corpo. Em várias de suas obras sobre biologia, Aristóteles explica o que supõe concretamente que o homem seja um «animal racional». A intuição genial deste filósofo não está em admitir a peculiaridade que a inteligência confere ao homem sobre outros animais — coisa perfeitamente sabida pelos filósofos precedentes — mas sim em fazer depender da inteligência a típica conformação corporal própria do homem. Por isso, se a alma é na verdade «forma» do corpo, é possível expor o estudo da antropologia de um novo ponto de partida que centra sua atenção inicialmente sobre o corpo humano.
—Mas não é isto uma concessão ao materialismo antropológico em voga?
—Pe. Leopoldo Prieto: Não, pelo contrário. É uma mudança de perspectiva da antropologia que abre possibilidades muito fecundas para o estudo do homem, além de reconhecer as justas exigências de uma revalorização da dimensão física da natureza humana. Se a alma está em todo o corpo como sua «forma», é lógico que ela deixe algum rastro. Pois bem, esses rastros existem e são inequívocos.
—Quais são esses rastros que a alma racional deixa no corpo humano?
—Pe. Leopoldo Prieto: Há dois traços físicos, inexplicáveis segundo a biologia, pelos quais se pode afirmar (num sentido filosófico) que o corpo humano é o correlato físico da alma de um ser racional. Os traços são: a inespecialização morfológica do corpo humano e a carência de instintos. Em virtude do primeiro, o corpo humano reproduz, a seu modo, a ilimitada abertura da razão humana à realidade, aparecendo assim como um corpo aberto, quer dizer não-especializado (embora por isso mesmo mais vulnerável fisicamente), desvinculado do ambiente físico e livre das cadeias que o meio ambiente impõe à morfologia de qualquer animal. Do mesmo modo, a ilimitada abertura da vontade (que é o fundamento profundo da liberdade), tem uma correspondência análoga na indeterminação física da conduta humana, que se encontra desamparada (ou liberada, dependendo da perspectiva) do instinto animal, com as vantagens e inconvenientes que isso envolve; assim, o homem se torna capaz de conduzir por si mesmo, guiado pela razão, todas as suas ações. Diante disso, a diferença entre o animal e o homem não poderia ser maior: o animal é conduzido pelo instinto, que a sua vez é posto em marcha pelos excitadores orgânicos que reagem diante dos estímulos do meio ambiente; o homem, ao invés, se se conduz pela razão, que propõe motivos à vontade, por meio da qual se governa a si mesmo.
—Por que dá tanta importância ao fato da inespecialização morfológica?
—Pe. Leopoldo Prieto: Efetivamente, a inespecialização morfológica é um fator de grande importância na reinterpretação da antropologia que o livro propõe. A adaptação ao meio ambiente é uma lei fundamental da biologia. Todos os animais, em maior ou menor medida, estão adaptados morfológica e funcionalmente ao próprio hábitat. Ao contrário deles, o homem, seguindo uma estranha exigência extra-biológica, manifesta em seu próprio corpo uma sistemática rejeição a ficar aprisionado por certas formas orgânicas especializadas. Isto já se sabia no tempo dos gregos. Mas naquela época não se podia dar uma explicação deste fato segundo os dados biológicos conhecidos hoje.
—Em seu livro diz você que a inespecialização é um caráter primitivo dos organismos. Pode explicar esta idéia?
—Pe. Leopoldo Prieto: É assim mesmo. Esta é outra das contribuições mais interessantes deste trabalho. Os estados morfologicamente especializados são sempre etapas tardias no caminho evolutivo de uma espécie. Frente a eles, a carência de especialização denota sempre um caráter arcaico. Toda especialização representa a perda de muitas possibilidades latentes no órgão não-especializado (e primitivo) em benefício do desenvolvimento intenso de uma determinada possibilidade adaptativa. Raciocinando a partir disso tiramos uma conclusão muito interessante, por suas implicações na delicada questão da evolução do homem. A questão é esta: se a carência de especialização reveste sempre o caráter de primitivismo, e se os estágios especializados são sempre estágios finais no caminho da evolução, daí se conclui que é impossível que as configurações morfológicas primitivas (como o crânio, a mandíbula, mãos e pé humanos, etc.) procedam de outras posteriores mais evoluídas, como são todos as características morfológicas altamente especializadas dos símios.
—Se não entendi mal, isso quer dizer que o homem é uma criatura menos evoluída que os macacos?
—Pe. Leopoldo Prieto: Isso mesmo. Ou menos evoluída, ou evoluída de um modo contrário aos símios. Um estudioso sugeriu, não sem certa ironia, mas indicando algo substancialmente verdadeiro, que, para defender o evolucionismo, seria preciso defender, em lugar da velha imagem do século XIX, do evolucionismo de um homem que deriva do macaco — a famosa série de indivíduos que passam de semi-quadrúpedes até o homem atual erguido —, justamente o contrário, ou seja, a idéia de um macaco (como ser altamente especializado e adaptado à forma de vida arborícola) que procede do homem, um ser muito mais primitivo e menos especializado.
—Uma idéia um pouco chocante, não lhe parece?
—Pe. Leopoldo Prieto: Pode ser, de um ponto de vista cultural, mas do ponto de vista científico é bastante bem fundada. Autores de renome científico afirmaram que a filogenia dos macacos antropóides consistiu em uma simiação crescente a partir de formas arcaicas mais parecidas com as humanas, frente à hominização progressiva da série humana. Houve inclusive quem falou que a desumanização progressiva do macaco.
—Qual é o primitivismo humano que você considera de maior importância?
—Pe. Leopoldo Prieto: Sem dúvida, o primitivismo do crânio humano, um caso muito bem estabelecido e de particular relevância. Retrocedendo no desenvolvimento ontogenético dos vertebrados (principalmente nos mamíferos) até a fase embrionária, vão aparecendo cada vez mais semelhanças entre o crânio destes e o crânio humano. Por exemplo, no crânio dos grandes símios, em seu período embrionário e infantil, é possível reconhecer muitos traços humanos (crânio arredondado, colocado verticalmente sobre a região facial, que aparece quase sem a proeminência do focinho), que, entretanto, desaparecem ao alcançar a maturidade, justamente quando o crânio do símio começa a adquirir os traços tipicamente animais: a zona facial experimenta um poderoso desenvolvimento para a frente, formando um plano contínuo com uma testa retrocedida. Ao contrário destes animais, nos seres humanos se conserva a disposição embrionária do crânio ao longo de toda a vida. Se compararmos o crânio do homem e o de qualquer grande símio em seu estágio infantil, a semelhança é surpreendente. Etienne Geoffroy Saint-Hilaire, por exemplo, observava em 1836: «O crânio de um orangotango jovem tem uma grande semelhança com o da criança. Na cabeça do filhote de orangotango encontramos os graciosos traços infantis do homem; mas se considerarmos o crânio do adulto encontramos formas animalescas de uma nítida bestialidade». Como sugeri antes, o crânio dos filhotes de macaco conserva uma espécie de esboço de humanidade.
—Os biólogos atuais falam da origem neotênica das propriedades especificamente humanas. Você pode explicar brevemente o que é a neotenia?
—Pe. Leopoldo Prieto: Este curioso termo é definido como o «fenômeno pelo qual, em determinados seres vivos, se conservam caracteres larvais ou juvenis depois de terem alcançado o estado adulto». Efetivamente, a neotenia é uma teoria que explica a origem dos primitivismos humanos, pondo-os em relação com traços fetais e embrionários, presentes em todos os mamíferos em seu estágio embrionário e abandonados na forma adulta, mas mantidos permanentemente no homem em sua forma adulta. Como foi demonstrado, os traços embrionários são os portadores de formas primitivas não especializadas, abertos portanto a uma ampla gama de possibilidades evolutivas. Os caracteres embrionários ou neotênicos, ao se consolidarem no homem adulto, evitam neste a necessária vinculação morfológica ao hábitat que é própria de toda especialização morfológica animal. Esta doutrina foi batizada com o nome de «neotenia» por J. Kollmann (1885), mas adquiriu maior respeitabilidade científica no século XX, sobre tudo a partir de uma obra do S. J. Gould de 1977. Mas essa idéia era muito mais antiga.
—Passando a outro tema do livro, o que você pensa da inteligência dos animais?
—Pe. Leopoldo Prieto: Em primeiro lugar, teríamos que determinar com precisão o conceito de inteligência. Normalmente, quando se diz que um determinado animal é inteligente, se quer dizer que ele dispõe de alguma capacidade psicológica que lhe permita realizar condutas complexas ou de grande precisão. Em realidade, se a inteligência consistisse nisto, virtualmente todos os animais seriam mais inteligentes que o homem, cuja dotação de conhecimento sensorial é bastante inferior em precisão e certeza à de muitos animais. O termo próprio para indicar a complexa e especializada conduta do animal é instinto. A conduta de um animal é tão mais certeira e precisa quanto mais depende da determinação unívoca que é própria do conhecimento sensorial e do instinto. Por outro lado, o estudo do instinto é uma fonte inesgotável de conhecimento para os estudiosos da conduta animal, extremamente precisa para o particular, mas cega para o geral. Por sua parte, o próprio da inteligência é comportar-se inicialmente de um modo incerto e vacilante (porque carece da determinação unívoca do sentido), mas com capacidade de aprendizagem, de modificação contínua e de progresso da conduta. Na realidade, o animal não é inteligente. Embora haja um sentido da expressão «inteligência prática» que pode ser aceitável aplicado ao animal, é importante deixar claro que a inteligência, propriamente dita, envolve um novo modo de relacionar-se com as coisas, que é inacessível ao animal.
—Entretanto, alguns etólogos falaram da «conduta curiosa» de alguns animais...
—Pe. Leopoldo Prieto: Efetivamente. Em especial, K. Lorenz fez valiosas observações sobre alguns animais de conduta exploratória ou curiosa, em cujas ações, ao invés da rigidez própria do instinto, observa-se uma certa semelhança à conduta objetiva, tipicamente humana. Mas a conduta curiosa destes animais não é propriamente de natureza intelectual, porque não é capaz de considerar a natureza dos objetos descobertos na exploração. Mesmo assim, um mérito inegável destes estudos foi a interessante confirmação da relação que existe entre tipo de conduta e conformação morfológica do animal. Um animal de conduta curiosa, como por exemplo o corvo, que tem um amplo repertório de condutas, deve dispor de uma motricidade suficientemente ampla para poder satisfazer a vasta gama de objetos e ações que a exploração lhe descobre. Uma especialização morfológica desenvolvida permitiria uma série muito precisa, mas muito limitada, de movimentos. Por isso, a relativa carência de especialização destes animais lhes permite povoar hábitats muito diversos. Já foi dito que os animais “curiosos” se especializaram em não ser especializados, algo — como se vê — que é próprio, principalmente, do homem.
—O que você pensa da linguagem dos animais?
—Pe. Leopoldo Prieto: Como é lógico, a questão da linguagem depende da da inteligência. A linguagem é expressão do que se conhece. E assim como há diversos modos de conhecer (inteligência e conhecimento sensorial), há diversos modos de comunicar o que se conhece. É claro que os animais se comunicam entre si, e alguns deles o fazem de um modo extremamente complexo e preciso. A realidade da comunicação animal deriva de duas premissas evidentes: primeiro, o animal tem conhecimento sensitivo; e segundo, é um ser social, de onde procede a necessidade de comunicar aspectos de interesse biológico aos seus congêneres. Pois bem, não se pode chamar esse tipo de comunicação, rigorosamente, de linguagem. A linguagem é o modo próprio de comunicação de um conhecimento intelectual (abstrato, ou como também é chamado, simbólico). Como o conhecimento inteligente é exclusivo do homem, a linguagem também o é. Esta conclusão é constatada continuamente pelos estudiosos de psicologia animal. Portanto, a diferença fundamental entre comunicação animal e linguagem humana consiste em que a primeira é expressão afetiva do próprio estado orgânico do animal, enquanto que a segunda é, acima de tudo, manifestação objetiva do próprio modo de ser da coisa conhecida. É o que se chama compreensão. Esta é a verdadeira fronteira entre a comunicação animal e a linguagem humana.
—Mas não se demonstrou que alguns macacos especialmente espertos são capazes de interagir inteligentemente com o homem, inclusive usando o computador?
—Pe. Leopoldo Prieto: Os experimentos realizados com macacos, especialmente com chimpanzés, com o propósito de demonstrar a existência de aptidões lógicas nos mesmos, revelaram-se sempre um grande fracasso. Foram empregados muitos recursos e tempo, mas os resultados foram sempre decepcionantes. O único que conseguiram provar é a existência de memória associativa (que é a base do adestramento animal), mais ou menos desenvolvida, nesses animais. Os próprios investigadores tiveram de reconhecer que os chimpanzés, inclusive depois de um intenso adestramento lingüístico, permanecem no nível de comunicação de que estão dotados naturalmente. Isto significa que o que foi «aprendido» por estes animais por meio do adestramento não foi «compreendido». Por isso, não chega a formar parte do próprio patrimônio comunicativo, nem é transmitido à sua prole. Portanto, tudo o que foi obtido com estes experimentos, tão sofisticados como obstinados, foi a associação de imagens com determinadas ações (em número bastante reduzido), reforçada por meio daqueles prêmios que mais interessam ao animal (comida, passeio, etc.).
[Traduzido por Pe. Celso Nogueira, LC]
Fonte: Zenit

A natureza complementar de religião e ciência

Um dos maiores cientistas que trabalharam no Brasil durante o século XX, Miguel Covian nos propõem, a partir de sua própria experiência pessoal, uma tese desconcertante para os tempos atuais. Considera que Ciência e Religião são as duas faces de uma mesma realidade que se complementam mutuamente e correlacionadas permitem dela um conhecimento mais total e profundo. Citando Einstein, ele também concorda que “A Ciência sem a Religião é aleijada; a Religião sem a Ciência é cega”. O conhecimento humano não só capta os fenômenos, mas procura a razão de ser dos mesmos, o porque. Quando (...) se procura o porque desses fenômenos, sua causa, surge o conhecimento cientifico, a ciência (..). A Ciência trata de estabelecer princípios gerais que determinam e regulam as conexões recíprocas das experiências sensoriais, dos fenômenos que acontecem na unidade espaço-tempo (...); não se preocupa pelo ser das coisas, senão pelos vínculos entre suas manifestações sensoriais (fenômenos) que trata de matematizar. Diante de um objeto material confluem dois tipos de conhecimento: o conhecimento dos sentidos e o conhecimento do intelecto. Este último procura uma solução ascendente ou ontológica , estando o sensível a seu serviço. O conhecimento dos sentidos (experimental) procura uma solução descendente, sem referência ao ser, colocando-se a serviço do sensível, observável e especialmente o mensurável. (....) Há outro tipo de conhecimento diferente dos já mencionados, característico da religião, que é o conhecimento alcançado pela Fé e que ocupa uma alta percentagem como conhecimento que orienta nossa vida prática. É um conhecimento apoiado na autoridade de quem é honesto, merece confiança e é veraz, ou seja, quem diz a verdade. Eu não preciso repetir passo a passo os experimentos de quem mereceu o Prêmio Nobel pelas suas descobertas. Eu acredito porque ele reúne minhas exigências de credibilidade. Neste sentido, nossos conhecimentos estão mais apoiados na fé que na vivência pessoal dos fatos. Eu aceito que o átomo seja formado por elétrons e um núcleo com prótons e nêutrons, que existam os quarks, etc. Se eu acredito em Deus, é muito mais lógico que acredite no que Ele me diz, do que nos próprios sábios. As históricas discordâncias entre o saber científico experimental e o saber pela fé nasceram do erro de considerar que todo o saber humano se esgota numa forma particular de conhecer a realidade. Por conseguinte, se admitiu uma concepção univocista do saber: só o saber dos fenômenos, de origem sensorial é o único e verdadeiro saber. Em outras palavras, o que é certo para a ciência dos fenômenos, é certo também para qualquer saber humano; estende-se a toda universalidade do saber o que só vale para um setor dele. Foi na segunda metade do século XIX que esta atitude se radicalizou, negando-se toda realidade não experimentável. Tudo aquilo que a Ciência não demonstra de acordo com seus métodos está totalmente destituído de fundamentação e, por conseguinte, de credibilidade. Em virtude de suas notáveis descobertas nos campos da física, química, ciências biológicas e genéticas, que aplicadas melhoraram as condições de vida em todos seus aspectos práticos, o interesse voltou-se para o pensamento e método das ciências experimentais. Um passo a mais e nasceu com Comte a filosofia positivista, que limita o conhecer humano ao experimental. Outro passo a mais e esta filosofia se transformou em metafísica que absolutiza as realidades experimentais com pretensão de resolver todos os problemas humanos: científicos, filosóficos, sociais, éticos e até religiosos. O curioso nesta história é que os antemetafísicos criaram uma metafísica, ante a qual em atitude religiosa, se prostraram de joelhos, como corresponde fazê-lo ante uma Verdade Suprema. Pareceria que o homem de alguma forma tem que dar vazão à necessidade intrínseca que tem de adorar algo ou alguém. Quando não aceita o Deus revelado, cria seu próprio deus que se metamorfoseia com nomes diferentes: ciência, ateísmo, materialismo, etc. Por suposto que este movimento positivista tratou de terminar com o Deus da Revelação, Aqui estão as origens do conflito moderno entre Ciência e Fé. Atualmente o cientista está aprendendo com humildade que seu tipo de conhecimento é somente um dos caminhos para conhecer a realidade e que para conhecer a realidade total é necessário transitar outros caminhos. O conhecimento experimental não esgota todo o conhecimento. É só uma janela aberta que permite ver um fragmento da realidade. É preciso abrir outras janelas da inteligência (a intuição eidética, o conhecimento por conaturalidade, ontológico, etc) para que ela possa satisfazer sua fome de “ver”. Esta atitude de prudência e humildade teve sua origem em descobertas cientificas do século XX que abalaram o mito positivista, iniciaram uma crítica da própria ciência, e debilitaram a antinomia entre ciência e fé. Principalmente dois fatos levaram a esta revisão que quebrantou o princípio mecanicista-determinista: as noções de “quanta” de energia (Max Planck, 1940) e a teoria da relatividade (Einstein, 1905). O princípio de indeterminação de Heisenberg foi um duro golpe para a física clássica e para a filosofia determinista fundamentada nela. A Ciência moderna é muito cautelosa já que constatou a precariedade de seus dogmas e sua incapacidade para fazer feliz o homem. Ela não se opõe hoje a um diálogo com Deus. Outro erro dos intelectuais ao estudar as diversas avenidas para alcançar o saber é a de considerar uma mesma metodologia como válida para todos os setores do saber. Este erro já foi advertido por Santo Tomás: “É um pecado contra a inteligência querer proceder de idêntico modo em terrenos tipicamente diferentes – físico, matemático e metafísico – do saber especulativo”. Duas verdades atingidas seguindo caminhos diferentes do saber, não se contradizem. Que matematicamente 2 x 2 = 4, ninguém o nega e que quimicamente duas moléculas de hidrogênio combinadas com uma de oxigênio formam um composto chamado água., também ninguém nega. O conflito surgiria se um matemático tratasse de demonstrar que os químicos estão errados ou vice-versa, cada um aplicando para estas diferentes realidades a metodologia específica de sua disciplina. (...) Em verdade, Ciência e Religião são as duas faces de uma mesma realidade que se complementam mutuamente e correlacionadas permitem um conhecimento mais total e profundo dessa realidade. Repetimos que a Ciência estuda uma realidade que é captada diretamente pelos sentidos; os dados sensoriais são trabalhados pela inteligência e assim se obtém um conhecimento. Por seu lado, a Religião estuda aquela parte, ou face da realidade que não é diretamente sensorial, mas que pode ser captada pelos sentidos nas suas manifestações que são efeitos sobre os quais a inteligência se inclina para encontrar uma Causa à qual dá o nome de Deus. Ou seja, a realidade sensorial que a ciência estuda aparece para a Fé como obra criada por Alguém. Os desenhos das grutas de Altamira nos conduzem a seus autores e ninguém pensa que eles foram cachorros, urso, ou qualquer classe de animal irracional. Os desenhos que a natureza nos oferece através de suas polimorfas manifestações nos conduzem também a um Autor. Observa-se assim que a Ciência e Religião quando harmonizadas nos permitem um conhecimento integral e total da realidade que indubitavelmente enriquece o homem. O conhecimento alcançado pela Ciência não compromete nem modifica meu comportamento, é externo a mim mesmo, não tem valor normativo. Que 2 x 2 sejam 4, me deixa indiferente, em nada modifica minha visão do mundo. Mas o conhecimento obtido pela Fé, se eu me abro, me penetra intimamente e se aceito que há um Deus, toda a minha vida se transforma e minha visão do mundo se modifica substancialmente. A Ciência não estabelece normas de vida, nem hierarquia de valores. A religião preenche esta lacuna e completa o cientista porque este apreende através da realidade visível uma face invisível que compromete sua vida por ser normativa e valorizante. O mistério atrai tanto o cientista como o homem de Fé. O primeiro trata de desvelá-lo aprofundando na realidade por um pólo, esmiuçando-a em peças cada vez menores. A Ciência ANALISA a realidade. Na ordem física, após a descoberta do átomo veio a de seus elementos constituintes – elétrons e núcleo – e neste último, dos prótons e nêutrons. O reino sub-nuclear não é ainda muito conhecido, mas tudo indica que novas substruturas serão descobertas. Na sua dissecção da realidade se chega a um mundo formigante de partículas cada vez menores, não se podendo afirmar em determinados casos se o que se observa é matéria ou energia. Neste processo analítico da Ciência se tem alcançado os limites inferiores do real sensível. Surge uma pergunta: alcançou-se a realidade total ou simplesmente seus constitutivos materiais? Desmembrou-se o relógio em cada uma de suas peças, mas onde está o relógio? Onde está a ordem, o espírito organizador que fazia que aquelas peças tão cuidadosamente estudadas formassem um todo que é o relógio? Aqui aparece a complementação apresentada pelo conhecimento religioso que partindo desta base atomizada, quanto mais ampla melhor, nos levará ao vértice do cone do conhecimento onde tudo se unifica, adquire harmonia, significação, visão de totalidade. Não é verdade que quem domina ou conhece os mínimos elementos da matéria, conhece o Tudo, já que este não é simplesmente a soma dos elementos. Cada coisa, como o relógio, é algo mais que as partículas unitárias que a formam. Isto é, há um Espírito que unifica e dá sentido à pluralidade do Universo: a outra face da realidade, diferente, mas não oposta ao conhecimento do real alcançado pela Ciência. São duas formas complementares que harmonizam já que uma “vê” ANALITICAMENTE e outra “vê” SINTETICAMENTE. A Ciência atinge suas fronteiras no seu trabalho descendente de análise e ali humildemente deve reconhecer que o que leva ao vértice do cone, a síntese que unifica os elementos tão sabiamente estudados, corresponde a outro tipo de conhecimento que é dado pela religião. Confessou Max Planck: “A Ciência conduz até um ponto, além do qual não pode guiar. Ciência e Religião não estão em contraste, senão que se necessitam uma da outra, para completar-se na mente de todo homem que reflita com seriedade (...)”. Quanto mais a Ciência avançar, quanto mais poderosos nos faça, mais em nós deve vibrar o espírito religioso que também se alimenta e fortalece com as descobertas cientificas, pois estas limpam a face de Deus. A Ciência pela sua atitude demitificante colabora para um melhor conhecimento da realidade sobrenatural, purificando-a de tudo aquilo que a ingenuidade e o temor do homem de outras épocas atribui a um Deus da ignorância. Estes véus se estão retirando e começa a aparecer o rosto do Deus da sabedoria. Para o homem religioso existe uma harmonia profunda entre o múltiplo, descoberto pela Ciência e a unidade característica da Religião, entre o analítico e o sintético. Para ele, Deus, a vida divina, a Providência, animam e unificam o formigante mundo das descobertas científicas. (...) Em resumo, Ciência e Fé são autônomas e constituem duas avenidas do conhecimento que se complementam e harmonizadas permitem um conhecimento mais profundo e total da realidade. (...) Todo o dito teria só um valor acadêmico e literário se não manifestasse minha vivência dessa complementação entre Ciência e religião, que guardadas as características individuais, coincide com a de muitos colegas espalhados no mundo. Jamais encontrei oposição entre ambos tipos de conhecimento, nem limitação nenhuma, pelo contrário houve um enriquecimento mútuo. Em mim, a Ciência teria se tornado uma atividade monótona, fatigante, sem poesia nem profundidade, insuficiente para satisfaze plenamente a fome intelectual de quem procura nas coisas algo mais que o que aparece, o fenômeno. Teria sido simplesmente o pão e já sabemos que o homem precisa de algo mais para viver. Com a Religião esquivei-me do perigo do cientificismo, ampliando por conseguinte o horizonte do conhecimento, houve maior abertura (lembro-me neste instante de Chesterton: o cristão se acha limitado por seu cristianismo, como o ateu pelo seu ateísmo) e evitei fazer da Ciência um substituto da Religião. Por outra parte, minha Religião sem a Ciência teria corrido o risco de cair no hermetismo, na acomodação, na pura emotividade, na mitificação, quando não na superstição. O verdadeiro homem de ciência tem uma natural disposição para o trabalho silencioso, meditativo. Diria que sua atitude é religiosa, ainda que negue Deus. Esse artigo foi originalmente publicado no Suplemento Cultural do Estado de São Paulo, em 15/7/1979, e encontra-se atualmente no Acervo de Obras de Miguel R. Covian, junto à Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto.

Documento vaticano reivindica dignidade do embrião humano

Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé sobre bioética
CIDADE DO VATICANO, 12 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- As extraordinárias promessas e perigos que a biomedicina abriu nas últimas duas décadas foram analisados de maneira global por um novo documento de caráter doutrinal divulgado nesta sexta-feira pela Santa Sé. Trata-se da instrução «Dignitas personae. Sobre algumas questões de bioética», publicada pela Congregação vaticana para a Doutrina da Fé, com 33 páginas. Como ilustrou na coletiva de imprensa de apresentação o secretário desse dicastério vaticano, o arcebispo Luis Francisco Ladarias Ferrer, S.J., o texto atualiza os ensinamentos da instrução Donum vitae (22 de fevereiro de 1987), escrita em um contesto totalmente diferente. A instrução foi aprovada expressamente por Bento XVI, de maneira que goza de autoridade própria do magistério do Sumo Pontífice, motivo pelo qual, como explicou no número 37, deve der acolhida «com assentimento religioso» por parte dos católicos.
Dois princípios
Toda a instrução se baseia em dois princípios fundamentais. Segundo o primeiro, «o ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde o instante de sua concepção» (n.4). Em segundo luar, a instrução explica que a origem da vida humana «tem seu autêntico contexto no matrimônio e na família, onde é gerada por meio de um ato que expressa o amor recíproco entre o homem e a mulher» (n. 6). À luz destes dois princípios, o documento oferece critérios éticos sobre diferentes práticas que hoje se tornaram freqüentes. Estas são algumas:
Técnicas de assistência à fertilidade
A instrução considera estas técnicas lícitas quando respeitam «o direito à vida e à integridade física de cada ser humano», assim com «a unidade do matrimônio» e o ato de procriação conjugal. Estimula as ajudas para remover os obstáculos que impedem a fertilidade natural e alenta a adoção das numerosas crianças órfãs. Confirma o juízo ético negativo sobre a fecundação in vitro e constata o aumento dos perigos que esta prática implica, pois o número de embriões sacrificados é altíssimo (80% nos centros mais importantes, segundo diz o número 27).
O congelamento de embriões e óvulos
O congelamento de embriões é incompatível com o respeito devido aos embriões humanos por estes motivos, e todas as respostas à pergunta sobre o que fazer com os embriões já congelados propõem diferentes problemas, reconhece o documento.
A redução embrionária é aborto
Dado que algumas técnicas de procriação artificial deram lugar a um aumento significativo da porcentagem de gravidezes múltiplas, há anos se aplica a redução embrionária, que elimina embriões ou fetos no seio materno para reduzir seu número. «Desde o ponto de vista ético, a redução embrionária é um aborto intencional seletivo», diz o número 21.
Clonagem humana
A clonagem humana é «intrinsecamente ilícita» afirma, pois «se propõe a dar origem a um novo ser humano sem conexão com o ato de recíproca doação entre dois cônjuges e, mais radicalmente, sem nenhum vínculo com a sexualidade» (n. 28). No que se refere à clonagem terapêutica, indica que «produzir embriões com o propósito de destruí-los, ainda que seja para ajudar os enfermos, é totalmente incompatível com a dignidade humana, porque reduz a existência de um ser humano, inclusive em estado embrionário, à categoria de instrumento que se usa e destrói» (n. 30).
Células-tronco
A avaliação ética depende sobretudo dos métodos de coleta de células-tronco. «Devem-se considerar lícitos os métodos que não procuram grave dano ao sujeito do qual se extraem. Esta condição se verifica geralmente no caso de: a) extração de células de tecidos de um organismo adulto; b) do sangue do cordão umbilical no momento do parto; c) dos tecidos de fetos mortos de morte natural» (n. 32). Contudo, considera «gravemente ilícita» a «extração de células-tronco do embrião humano vivo», pois «causa inevitavelmente sua destruição. Neste caso, a pesquisa não se põe verdadeiramente ao serviço da humanidade, pois implica a supressão de vidas humanas» (n. 32).
Embriões híbridos
O documento considera uma ofensa à dignidade do ser humano os recentes experimentos pelos quais se utilizaram óvulos de animais para a reprogramação dos núcleos das células somáticas humanas com o fim de extrair células-tronco embrionárias dos embriões resultantes, sem ter de recorrer à utilização de óvulos humanos (n. 33).
Utilização de vacinas de origem ilícita
O documento considera ilícito o uso de produtos, inclusive vacinas, em cuja elaboração se utilizou «material biológico» ilícito, como o que resulta da eliminação de embriões humanos ou abortos. Neste marco, geral, contudo, existem diferentes graus de responsabilidade. Assim, por exemplo, diz o número 35, o perigo para a saúde das crianças poderia autorizar seus pais a utilizarem uma vacina elaborada com linhas celulares de origem ilícita, ficando em pé o dever de expressar seu desacordo ao respeito e de pedir que os sistemas de saúde ponham disponibilizem outros tipos de vacina».
Fonte: Zenit

Diálogo intercultural e inter-religioso

di Mariangela Jaguraba
Cidade do Vaticano, 09 dez (RV) - Bento XVI enviou uma mensagem, nesta terça-feira, ao presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, Cardeal Jean-Louis Tauran, e ao presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, Arcebispo Gianfranco Ravasi, por ocasião do Dia de Estudos sobre o tema "Culturas e religiões em diálogo".
Em sua mensagem o Santo Padre afirma que "o diálogo intercultural e inter-religioso é uma prioridade para a União Européia e que a diversidade deve ser acolhida como um fator positivo e enriquecedor".
O pontífice reitera que a "Europa de hoje é fruto de dois milênios de civilização, e suas raízes estão arraigadas tanto no antigo patrimônio greco-romano quanto no fecundo terreno do Cristianismo, que se revelou capaz de criar novos patrimônios culturais".
"O novo humanismo, originado da mensagem evangélica, exalta todos os elementos dignos da pessoa humana e sua vocação ao transcendente, purificando-os dos resíduos que ofuscam a autêntica face do homem, criado à imagem e semelhança de Deus" _ disse ainda o papa.
O pontífice sublinha ainda, que a "Europa exerceu e ainda exerce uma influência cultural em todo o mundo e deve sentir-se particularmente responsável não somente pelo seu futuro, mas também pelo futuro de toda a humanidade".
"Apesar de alguns europeus tentarem ignorar as raízes cristãs da Europa, elas permanecem vivas e devem traçar o caminho e alimentar a esperança de milhões de pessoas que compartilham os mesmos valores" _ disse ainda o papa.
Bento XVI diz ainda que, para um diálogo autêntico, é preciso evitar cair no relativismo e no sincretismo, e ser animado por um sincero respeito pelos outros e por um generoso espírito de reconciliação e de fraternidade.
O papa encoraja aqueles que se dedicam à construção de uma Europa acolhedora, solidária e sempre mais fiel às suas raízes, e convida os europeus a protegerem a herança cultural e espiritual que fazem parte de sua história.
O Santo Padre conclui sua mensagem, afirmando que a Igreja deve dialogar com o mundo e que os fiéis devem estar sempre prontos a promover iniciativas de diálogo intercultural e inter-religioso, a fim de incentivar a colaboração sobre temas relativos à tutela dos direitos humanos e da família, o bem comum, a defesa da vida, a construção da paz e o desenvolvimento. (MJ)

Pelo «alargamento da racionalidade»

Por Alexandre Ribeiro
Nos temas de bioética e de defesa da vida, Bento XVI, ao invés de apresentar o catolicismo como uma série de proibições, opta por transmitir uma mensagem positiva, afirma um membro da Pontifícia Academia para a Vida (PAV). «Há um desconhecimento muito difundido de que a Igreja tem uma mensagem positiva a transmitir», comentou com Zenit monsenhor Ignácio Carrasco de Paula, chanceler da PAV. O sacerdote veio ao Brasil para participar do congresso internacional «Pessoa, cultura da vida e cultura da morte. O evento acontece em Itaici (São Paulo) até amanhã. Segundo o chanceler, o Papa preocupa-se com o fato de comumente se pensar que a Igreja aponta apenas «as coisas que estão mal». Mas «isso não é verdade, e o Papa diz que é preciso mudar essa situação». A Igreja «tem muitas coisas estupendas a dizer, e as diz. O que acontece é que essas coisas não têm chegado à opinião pública.» Mons. Ignácio de Paula afirma que essa é uma preocupação de Bento XVI que pode ser constatada em seus discursos mais importantes, como os que o pontífice dirige quando visita uma universidade ou quando tem à frente um público «culturalmente mais preparado». Nesses ambientes, o Papa advoga por um «alargamento da racionalidade», ou seja, «a recuperação da própria razão de todas as suas funções». O chanceler da PAV explica que a função da razão foi reduzida, entre outros fatores, pela tendência de circunscrever o conhecimento «apenas às coisas que eu posso tocar, que eu posso controlar». «Nesse sentido, por exemplo, para o reducionismo, o amor não existe», destaca. Mas se se reduziu a função da razão, «vamos alargá-la novamente; isso é o que pede Bento XVI». «Vamos recuperar o que tem sido sempre objeto de nossa reflexão, como é o bem, a verdade, também aqueles campos que eu não posso medir.» «O alargamento da racionalidade é recuperar que a razão se possa mover em toda sua amplitude», afirmou o sacerdote.
Fonte: Zenit

Compreendi que a verdade é o outro rosto da liberdade

Por Luca Marcolivio
ROMA, segunda-feira, 1º de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Por convite da Pastoral Universitária de Roma, Magdi Cristiano Allam revelou detalhes de sua conversão do islã ao cristianismo. «Este caminho – relatou Allam – começou de modo aparentemente fortuito, na realidade providencial. Desde os quatro anos, tive a oportunidade de freqüentar, no Egito, escolas italianas católicas: fui aluno, primeiro, das religiosas missionárias combonianas, e depois, a partir do quinto ano do ensino fundamental, dos salesianos.» «Recebi assim uma educação que me transmitiu valores sãos e apreciei a beleza, a verdade, a bondade e a racionalidade da fé cristã», na qual «a pessoa não é um meio, mas um ponto de partida e de chegada», acrescentou Allam. «Graças ao cristianismo – confessou – compreendi que a verdade é o outro rosto da liberdade: são um binômio indissolúvel. A frase ‘A verdade fará livres’ é um princípio que vós, jovens, deveis ter sempre em mente, especialmente hoje que, desprezando a verdade, abdica-se da liberdade.» «Minha conversão – acrescentou – foi possível graças à presença de grandes testemunhas da fé; o primeiro de todos, Sua santidade Bento XVI. Quem não está convencido da própria fé, com freqüência é porque não encontrou nela testemunhas críveis deste grande dom.» «Um binômio indissolúvel no cristianismo – acrescentou o jornalista – é sem dúvida o de fé e razão. Esta última é capaz de dar substância à nossa humanidade, à sacralidade da vida, ao respeito à dignidade humana e à liberdade de escolha religiosa.» «Um evento, antes da conversão, fez-me refletir mais que os outros – revelou: o discurso do Papa em Ratisbona (12 de setembro de 2006). Naquela ocasião, citando o imperador bizantino Manuel II Paleólogo, afirmou algo que os próprios muçulmanos não negaram nunca: que o Islã difunde o próprio credo, sobretudo com a espada.» «A denominada ‘bondade’ – acrescentou –, ou seja, conceder sempre ao outro o que quer, é exatamente o contrário do bem comum, perfeitamente assinalado por Jesus: ‘ama a teu próximo como a ti mesmo’ (Mateus 19, 16-19). Tal preceito evangélico nos confirma que não podemos querer bem os demais se antes não nos amamos a nós mesmos. O mesmo vale para nossa civilização.» «Contrários a tal princípio – disse Allam – são o indiferentismo e o multiculturalismo que, sem nenhuma identidade, pretendem conceder todo tipo de direitos a todos. Resultado do multiculturalismo foi a implosão da solidez social e o desenvolvimento de guetos e grupos étnicos, em perene conflito com a população autóctone.» «Isto me leva a considerar ooutro grande binômio da civilização cristã, o relativo a regras e valores, chave para um possível resgate ético da Europa atual – prosseguiu. O velho continente é um colosso de materialidade com os pés de argila. O materialismo é um fenômeno globalizado, ao contrário da fé, que não o é.» Respondendo a uma pergunta sobre a possível compatibilidade entre fé e razão no islã, o ex-muçulmano Allam respondeu que «ao contrário do cristianismo, religião do Deus encarnado no homem», o Islã se concretiza em um texto sagrado que, «sendo um com Deus, não é interpretável». Quanto ao diálogo entre islã e cristianismo, o subdiretor do Corriere della Sera afirmou que é possível só e exclusivamente «se formos autenticamente cristãos no amor, inclusive para com os muçulmanos. Se relativizarmos o diálogo, instigaremos nossos interlocutores a ver-nos como infiéis, portanto, como terreno de conquista». Dirigindo-se aos estudantes presentes, Magdi Allam sublinhou a importância de uma educação que volte a transmitir «uma concepção ética da vida, com valores e regras no centro de tudo». Negociação de tais princípios é, segundo Allam, «o capitalismo selvagem que, paradoxalmente, tem seu máximo desenvolvimento na China comunista». «Não podemos conceber a pessoa em termos ‘empresariais’ e temos de encontrar regras de convivência que não se fundamentam no materialismo. Devemos redefinir nossa sociedade sobre o ser, e não sobre o ter», concluiu Allam.
Fonte: Zenit

Considerar a razão e a fé como energia circular

INDAIATUBA, terça-feira, 25 de novembro de 2008 (ZENIT.org).- Segundo o presidente emérito da Pontifícia Academia para a Vida, Dom Elio Sgreccia, para enfrentar o avanço do secularismo é preciso considerar a razão e a fé não como caminhos paralelos, mas com energia circular. Em conferência de abertura do congresso internacional «Pessoa, cultura da vida e cultura da morte», hoje, em Itaici (Indaiatuba, São Paulo), o bispo comentou aspectos de uma antropologia de referência em uma cultura secularista. De acordo com Dom Sgreccia, a cultura da secularização «não é sempre a mesma», pois «se apresenta em diferentes fases». «A valorização das realidades temporais, o campo do trabalho, da política, das relações pessoais», isso se circunscreve em uma concepção «reduzida da vida humana, quando se elimina Deus», destacou. Nesse sentido, a «defesa da autonomia do homem não ampliou sua dignidade, diante de uma visão reducionista». Quando se «prescinde de Deus, reduz-se o horizonte da vida humana». De acordo com o bispo, o secularismo tende a descartar o problema da origem da vida, assume uma postura de impossibilidade de se perseguir a verdade. «A proposta secularista e laica apresenta-se como um humanismo que rechaça a fé, mas desconfia também da razão e de todo valor absoluto», explicou. Neste contexto, a resposta da Igreja afirma que «o encontro entre fé e razão não se dá de maneira adicional e paralela». «O método de João Paulo II, muito evidente em seus escritos, apresenta o que se chamou de método circular: é a razão que está aberta à contribuição da revelação e a recebe elaborando-a e penetrando-a em seu momento meditativo; e é a fé que pede à razão que tire as consequências de tal iluminação.» «O caminho da defesa da vida humana na Igreja, dentro dela, e por parte da Igreja no mundo há de ser proposto portanto com a contribuição convergente e circular da fé que ilumina desde dentro a razão», afirmou Dom Sgreccia. O presidente emérito destacou então três fundamentos antropológicos para a bioética: a criação, a vida humana e a vida eterna. De acordo com Dom Sgreccia, é um erro prescindir da razão nos questionamentos sobre a criação, dando ênfase apenas ao campo da fé, «como se só a fé fosse capaz de perguntar sobre Deus». «Assim, os que não vivem a fé estariam dispensados». A origem do ser do homem recebe «o primeiro e essencial significado do fato de que o ser do homem é doado», um «dom fruto do amor». «A primeira dignidade deriva do fato de que o ser livre é posto em relação com Seu Doador». Sobre o valor da vida humana, Dom Sgreccia afirmou que «a grandeza do homem culmina em sua vocação e comunhão com a vida divina por meio de Cristo. A vida humana alcança seu objetivo e seu valor quando é colmada pela graça da vida divina de Cristo». Ao falar sobre o aspecto escatológico, o bispo citou o documento Comunione e Servizio: La persona umana creata a immagine di Dio, da Comissão Teológica Internacional. «A vontade de Deus, que Cristo seja a plenitude do homem, deve encontrar uma realização escatológica. O Espírito Santo levará a cumprimento a configuração última das pessoas humanas segundo Cristo na ressurreição dos mortos, mas já hoje os seres humanos participam desta semelhança escatológica com Cristo aqui sobre esta Terra, no meio do tempo e da história», citou. Fonte: Zenit

Para um novo humanismo cristão

Cidade do Vaticano, 25 nov (RV) - Bento XVI enviou uma mensagem ao presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, o arcebispo Gianfranco Ravasi, por ocasião da XIII reunião plenária das sete Pontifícias Academias, aberta esta manhã, no Vaticano.
Em sua mensagem, o Santo Padre faz um convite ao empenho de modo “apaixonado e criativo” para promover nas culturas contemporâneas “um novo humanismo cristão que saiba percorrer com clareza e decisão o caminho da autêntica beleza”.
O pontífice destaca que é urgente “um renovado diálogo entre estética e ética, entre beleza, verdade e bondade”, ressaltando que essa necessidade nos é reproposta “não somente pelo atual debate cultural e artístico, mas também pela realidade cotidiana”.
Em diferentes níveis “emerge dramaticamente a cisão, e por vezes o contraste entre as duas dimensões, a da busca da beleza _ compreendida, porém, redutivamente como forma exterior, como aparência a ser buscada a todo custo _ e a da verdade e bondade das ações que se realizam para alcançar uma certa finalidade”, escreve o papa.
“Uma busca da beleza que fosse estranha ou alheia à humana procura da verdade e da bondade se transformaria, como infelizmente se dá, em mero estetismo e, sobretudo para os mais jovens, num itinerário que desemboca no efêmero, no aparecer banal e superficial ou até mesmo numa fuga rumo a paraísos artificiais, que mascaram e escondem o vazio e a inconsistência interior”, constata Bento XVI.
O pontífice acrescenta que essa busca, “aparente e superficial, não teria certamente um respiro universal, mas resultaria inevitavelmente totalmente subjetiva, se não até mesmo individualista, acabando por vezes na incomunicabilidade”.
Mas como responder a esse desafio? Na mensagem, o papa ressalta “a necessidade e o compromisso de um alargamento dos horizontes da razão”.
Nessa perspectiva, Bento XVI enfatiza que “é necessário voltar a compreender também a última conexão que liga a busca da beleza com a busca da verdade e da bondade”. E adverte: “Uma razão que quisesse desfazer-se da beleza resultaria reduzida à metade, como também uma beleza desprovida da razão se reduziria a uma máscara vazia e ilusória”.
Em seguida, o papa retoma a sua reflexão sobre a relação entre beleza e razão, feita no encontro com o clero da Diocese de Bressanone, nordeste da Itália, em agosto passado. “Devemos buscar uma razão muito ampliada na qual coração e razão se encontram, beleza e verdade se tocam”, exorta o pontífice.
Bento XVI acrescenta que se esse compromisso é válido para todos, o é ainda mais para o fiel “chamado pelo Senhor a dar razão a todos da beleza e da verdade da própria fé”. A beleza das obras de que fala o Evangelho “vai além, envia a outra beleza, verdade e bondade que somente em Deus têm a sua perfeição e a sua fonte última”.
Em seguida, o papa faz uma exortação: “O nosso testemunho deve alimentar-se dessa beleza, o nosso anúncio do Evangelho deve ser percebido na sua beleza e novidade”. Por isso, “é necessário saber comunicar com a linguagem das imagens e dos símbolos. A nossa missão cotidiana deve tornar-se eloqüente transparência da beleza do amor de Deus para alcançar eficazmente os nossos contemporâneos, muitas vezes distraídos e absorvidos por um clima cultural nem sempre propenso a acolher uma beleza em plena harmonia com a verdade e a bondade, mas mesmo assim sempre desejosos e nostálgicos de uma beleza autêntica, não superficial e efêmera”.
Por outro lado, ressalta Bento XVI, também no recente Sínodo dos Bispos foi evidenciada a importância “do saber ler e escrutar a beleza das obras de arte”, como também foi reiterada “a bondade e eficácia” do caminho da beleza. Esse caminho é “um dos possíveis itinerários, talvez o mais atraente e fascinante para compreender e alcançar a Deus”.
O papa convida a retomar, à distância de dez anos da publicação, a Carta aos Artistas de João Paulo II. Um texto que nos convida a refletir “sobre o íntimo e fecundo diálogo entre a Sagrada Escritura e as diversas formas artísticas”.
Uma Carta, observa ele, que exorta a renovar a reflexão “sobre a criatividade dos artistas e sobre o tanto fecundo quanto problemático diálogo entre estes e a fé cristã, vivida na comunidade dos fiéis”.
Por fim, o pontífice faz uma exortação aos acadêmicos e aos artistas a “suscitarem maravilha e desejo do belo, a formarem a sensibilidade dos ânimos e a alimentarem a paixão por tudo aquilo que é autêntica expressão do gênio humano e reflexo da Beleza divina”.
Concluindo a mensagem, o papa expressa palavras de elogio ao vencedor do Prêmio das Pontifícias Academias, atribuído este ano ao estudioso de literatura italiana, Dr. Daniele Piccini.
Faz-se também uma menção de mérito ao jovem pintor, Dr. Giulio Cateli, e à Fundação de arte italiana “Staurós”, condecorados com uma Medalha de seu pontificado.
Por sua vez, em seu pronunciamento, o Arcebispo Gianfranco Ravasi ressaltou que na Bíblia encontramos uma forte fusão entre ética e estética que não exclui a contemplação do belo. Tanto no Antigo como no Novo Testamento a beleza é sempre também uma epifania de Deus e jamais se encontra um estetismo fim a si mesmo. Portanto, a verdadeira estética não pode separar-se de seu fundamento, concluiu o presidente do Pontifício Conselho para a Cultura. (RL)
di Raimundo De Lima

ÍCONE ORTODOXO CONTRA O ABORTO

Leitura do icone:

Jesus Cristo, vencedor da morte, surge protegendo e abençoando, abaixo dele, uma família cristã (é de se notar os trajes modernos que vestem). Família, aliás, numerosa (pai, mãe e seis filhos). O pai carrega um dos filhos (como São José, que carrega o Menino Deus, tradicional imagem da iconografia cristã) e traz o alimento da família na mão esquerda. A mãe embala o filho ainda bebê e alimenta uma outra criança. São figuras tradicionais do pai e da mãe cristãos, essencial para o desenvolvimento dos filhos.

Acima da família cristã, surge a Sagrada Família de Nazaré. Maria carrega, em seu colo, o Senhor Deus, nascido de seu puríssimo ventre. São José, por sua vez, carrega uma criança envolta em panos brancos, símbolo, na iconografia tradicional, da alma das crianças inocentes assassinadas.

Abaixo da família cristã, numa imagem bastante contundente, temos a “Arrependida”, isto é, a mãe que, tendo cometido o monstruoso crime do aborto, chora, agora, o filho que ela própria matou. Veste-se de vermelho, o que representa o sangue inocente por ela derramado.

Na parte esquerda inferior, há a figura da mãe solteira. De um lado, ela pecou e consentiu em relações pré-nupciais (talvez, seja por isto que parte de sua vestimenta é vermelha, cor da luxúria), mas, por outro lado, manteve-se firme frente à tentação de abortar e, agora, carrega (não sem o auxílio de Deus) a Cruz de ser mãe sem a ajuda e o suporte de um esposo. Cruz esta que, se bem vivida, será sua porta de entrada para o céu depois que findar sua peregrinação terrestre.

Passemos, agora, às trevas!

Na parte direita do ícone, vemos sentada, num trono vermelho, uma rainha, chamada de “Novo Herodes”. É o próprio aborto personificado, que, como o Herodes o fez outrora, promove a matança dos inocentes no mundo moderno. Ela espezinha e massacra vários bebês e recebe ainda outros (todos em posição fetal) que as mulheres lhe oferecem. Estas mulheres estão à sua frente e personificam (de baixo para cima) a crueldade, a futilidade, a indiferença e a luxúria, sem as quais a monstruosidade do aborto não ocorreria. Ao fundo, vemos um “médico”. No original, a palavra é também grafada entre aspas, pois, sob a aparência de um médico (que deveria usar seus talentos apenas para salvar vidas), encontra-se um assassino frio, que passa uma espada no ventre de um bebê indefeso. Se o leitor reparar bem, seu bolso está cheio de dinheiro, pois se enriquece com a matança que ele próprio promove. Ao fundo, a imagem de um dragão, a Antiga Serpente, o chamado Diabo ou Satanás, que, sedutor do mundo inteiro, seduz o “médico”, colocando-o ao seu serviço. Pois, todos os que se colocam a serviço, direito ou indireto, do aborto, estão a serviço direto de Satanás.

Que deles (e de todos nós) o Senhor Deus tenha piedade.

Por Alexandre Semedo

Fonte: Veritatis Splendor

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