"Adaptam-se bem a São Tomás de Aquino as palavras do Evangelho que acabámos de ouvir proclamar: "Quem portanto transgredir um só destes preceitos, mesmo mínimos [da Lei e dos Profetas], e ensinar aos homens a fazer o mesmo, será considerado mínimo no reino dos céus. Mas quem, ao contrário, os observar e os ensinar aos homens, será considerado grande no reino dos céus". Tomás começou de longe. O seu caminho foi longo. Sentia-se um apaixonado "filósofo cristão": "Por amor a ti estudei!". Perseguia uma consciência que, mesmo servindo-se de princípios racionais e métodos filosóficos, se abandonava às inspirações que emanam dos "dogmas", trabalhava em contacto com eles, considerava-os hipóteses fecundas, servia-se das analogias que sugeriam e, mais do que outras coisas, sabendo que eram verdadeiras, imergia a sua mente de pensador no mistério do qual emergiam. Sabia valorizar as duas formas complementares de sabedoria: a filosófica, que se funda na capacidade que o intelecto possui, dentro dos limites que lhe são conaturais, de averiguar a realidade; e a teológica, que se funda sobre a Revelação e examina os conteúdos da fé, alcançando o mistério de Deus. Protegia a sua inteligência, feita para a "santa verdade". Alimentava o recolhimento interior porque, dizia, quando a inteligência trabalha intensamente, a vontade e as suas capacidades afectivas tendem para enfraquecer. Tomás fazia sua a exortação do Livro da Sabedoria: "Por isso pedi, e foi-me dada a inteligência; supliquei, e veio a mim o espírito de sabedoria" (Sb 7, 7). Rezava incessantemente, ou prostrado ou ajoelhado, diante do altar. Guglielmo di Tocco chamou-lhe "miro modo contemplativus" e o Padre Reginaldo da Piperno, quando retomou, depois da morte de Tomás, as suas lições na escola de Nápoles, no elogio fúnebre falou unicamente da sua "oração contínua, fonte de ciência" e das lágrimas abundantes que derramava pedindo para poder perscrutar os segredos da verdade (Tocco, cap. 30). Depois da sua permanência em Montecassino, em 1239, Tomás foi a Nápoles para prosseguir os seus estudos profanos: o Trívio e o Quadrívio e, como coroamento, a filosofia da natureza metafísica. Mas não aconteceu, diz ele, a não ser estimulado por uma paixão maior, a de chegar, através do movimentodo seu espírito e do seu coração, a aproximar-se, a servir, a contemplar o seu Senhor: "cui non appropinquatur passibus corporis sed affectibus mentis" (Summa Th. II II q. 24, art. 4). A Igreja gostaria de possuir, distintos mas unidos, para um pensamento integral e compacto, dois elementos: a inteligência, filha de Deus, e o Verbo, sua imagem igual. Tomás teve uma e o Outro, de várias formas, de modo a poder fazer de uma profecia uma ciência e poder dizer com o Padre Clésissac: "Esta ciência mais não é do que a iluminação baptismal que se tornou consciente e progressiva" (Le mystère de l'Eglise, p. 7). À sabedoria auto-suficiente do intelecto humano, que pretende ser regra absoluta, opõe-se a sabedoria que age no desígnio de Deus (cf. 1 Cor 1, 18-31). Se a primeira se baseia sobre o princípio "compreender para crer", a segunda procura ao contrário "crer para compreender". O racionalista aceita também passar toda a vida a discorrer sobre Deus; o homem de fé, ao contrário, reconhece a verdade de Deus (que se faz "verdade sobre o homem" com o seu projecto divino); e então é a verdade que se eleva sobre o trono e quem nele a colocou deve ser o primeiro a ajoelhar-se diante dela, para ser livre ("A verdade libertar-vos-á" Jo 8, 32). A partir das primeiras páginas da sua Summa Theologiae o Aquinate quis mostrar a primazia daquela sabedoria que é dom do Espírito Santo e introduz ao conhecimento das realidades divinas. A sua teologia permite compreender a peculiaridade da sabedoria no seu vínculo estreito com a fé e com o conhecimento divino. Ela conhece por conaturalidade, pressupõe a fé e chega a formular o seu juízo recto a partir da verdade da própria fé: "A sabedoria elencada entre os dons do Espírito Santo distingue-se da que é colocada entre as virtudes intelectuais. De facto, esta adquire-se com o estudo: a primeira, ao contrário, "vem do alto", como se exprime São Tiago. Assim também se distingue da fé. Porque a fé aceita a verdade divina tal como é, enquanto que é próprio do dom de sabedoria julgar segundo a verdade divina". A este ponto gostaria de recordar a intervenção que fez o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger, em Outubro de 1999 durante o Sínodo dos Bispos para a Europa, a propósito da fé, do conhecimento de Jesus, de Deus e do nosso ser: "A fé dizia não é o resultado de um consenso maioritário, sempre frágil; a fé precede os nossos consentimentos e dissentimentos, é a pedra sobre a qual podemos construir a casa da nossa vida". E acrescentava: "A fé é uma, recebemo-la da Igreja única e universal, do nós universal dos discípulos de Cristo... A fé é uma fonte de conhecimento. Certas correntes da teologia de hoje procuram uma academicidade pura, consideram a fé um impedimento à cientificidade. Põe-se a fé entre parêntese. O desejo de ser compreensíveis a todos induz também a nós algumas vezes a pôr de lado a fé. É bom traduzir a fé; é bom desenvolver uma pedagogia para a fé. Mas se, por motivos de oportunidade, deixarmos com muita frequência de lado a fé, a nossa palavra perde o sal, torna-se insignificante. A fé é o bem fundamental da Igreja, devemos fazê-la resplandecer e não escondê-la"."
HOMILIA DO CARDEAL TARCISIO BERTONE NA INAUGURAÇÃO DO ANO ACADÉMICO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE DE SÃO TOMÁS DE AQUINO Sexta-feira, 26 de Janeiro de 2007
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