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LAICIDADE E ESTADO: DAR A CÉSAR O QUE É DE CESÁR...

Entrevista a Alfonso Santiago, professor de direito constitucional
Por Carmen Elena Villa (ZENIT.org).
O governo deve promover o esporte, mas não deve ser torcedor de um time, explica para ilustrar o que é a laicidade o autor de um livro recém-publicado com o título “Religião e política: suas relações no atual magistério da Igreja Católica e através da história constitucional argentina” (“Religión y política: sus relaciones en el actual magisterio de la Iglesia Católica y a través de la historia constitucional argentina”).
Como acontece no caso de um esporte nacional, o Estado pode ter um certo e limitado trato preferencial a um determinado culto religioso, por motivos históricos, culturais ou sociológicos, sempre e quando isso não signifique a proibição ou limitação dos restantes.
O autor, Alfonso Santiago, fala da sã diferenciação entre o âmbito político e religioso, assim como da contribuição recíproca que ambas as instituições podem dar-se.
Cita também, em repetidas ocasiões, textos do magistério de João Paulo II e de Bento XVI que buscam dialogar, a partir da perspectiva eclesial, com o âmbito político contemporâneo.
Também faz uma análise das principais leis e situações que têm a ver com as relações entre Igreja e Estado em seu país.
Zenit falou com Alfonso Santiago, professor de direito constitucional da Universidade Austral de Buenos Aires, sobre os desafios tanto da Igreja como do Estado nesta matéria, sem rejeitar a resposta a perguntas sobre a situação argentina.
– Há alguns anos, o papel público das religiões entrou na moda. Desde as perspectivas teológica, cultural e filosófico-política, que aborda em seu livro, como crê que devem ser entendidas as relações entre a religião e a política?
– Alfonso Santiago: Religião e política são duas realidades, duas dimensões da vida humana que acompanharam e acompanharão sempre a existência de cada pessoa e da sociedade em todo tempo e lugar. A universalidade do fenômeno político e do religioso é uma realidade histórica e empiricamente comprovável. Religião e política, com fins e expressões bem diferentes, estão chamadas a dar sentido e enriquecer a vida de cada homem e a complementar-se mutuamente.
A política tem que velar pela promoção do bem comum da comunidade. A religião, por sua vez, canaliza a profunda inclinação que o homem experimenta a Deus, para conhecê-lo, adorá-lo e viver conforme seus desígnios. Cada uma em seu âmbito, sem misturas nem indevidas interferências, ainda que aberta uma à outra, podem contribuir para a plena realização pessoal e social. Nesta matéria, o cristianismo é portador de uma original visão que se baseia no dualismo cristão (“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”) e nas relações de independência e colaboração que propõe entre a Igreja e a comunidade política.
– Na situação atual, quais são os principais desafios para a Igreja nesta matéria?
– Alfonso Santiago: Em minha opinião, e assim exponho em meu livro, os três grandes desafios que hoje em dia se apresentam à Igreja Católica em torno da relação entre religião e política são o fundamentalismo islâmico, com sua profunda confusão entre a ordem política e a religião; o laicismo extremo, com sua consideração hostil do fenômeno religioso e a tentativa de encerrá-lo unicamente na esfera privada; e a falta de participação e de coerência dos fiéis cristãos na hora de atuar na vida pública.
– De que maneira a falta de compromisso e de coerência dos cidadãos católicos em sua atuação pública afeta a credibilidade das orientações do magistério e da doutrina social da Igreja?
– Alfonso Santiago: É muito significativo o dano que os fiéis cristãos produzem quando, apesar das orientações que recebem, não se comprometem com a vida pública de seus países ou não o fazem de modo coerente com os ensinamentos da Igreja à qual pertencem. Isto, naturalmente, diminui a credibilidade desses ensinamentos: se os próprios fiéis católicos não seguem esses critérios, o que se pode esperar do resto? É um problema interno, no seio da Igreja, que deve ser assumido com firmeza, através da formação doutrinal profunda dos fiéis e das oportunas correções quando se tenha incorrido em condutas públicas que contradizem os valores e princípios da identidade cristã.
– Qual a concepção que se tem em seu país do termo “laicidade”?
– Alfonso Santiago: Laicidade significa, por um lado, uma consideração positiva do fenômeno religioso, e por outro, certa neutralidade e incompetência do Estado em matéria especificamente religiosa. Fazendo uma comparação, podemos dizer que o Estado pode e deve promover e alentar a prática esportiva, mas não lhe corresponde ser torcedor de nenhum time em concreto. Laicidade significa também que o Estado protege amplamente a liberdade religiosa tanto em sua dimensão pessoal como social, mas não impõe coativamente, através do direito, nenhuma verdade especificamente religiosa, e sim funda a ordem jurídica nas verdades morais naturais.
A laicidade do Estado proposta pela doutrina católica não se opõe, de acordo com as características próprias de cada comunidade política, ao reconhecimento e afirmação do teísmo; à consideração positiva do fenômeno religioso por parte da autoridade pública; a um certo e limitado trato preferencial que, por motivos históricos, culturais ou sociológicos possa dar-se a um determinado culto religioso, sempre e quando isso não signifique a proibição ou limitação dos restantes; à presença de determinados elementos religiosos nos espaços públicos (como a colocação de alguns símbolos religiosos em espaços ou edifícios públicos, as cerimônias religiosas por ocasião de uma festa pátria, os feriados por ocasião de determinada celebração religiosa etc.); à consideração favorável da contribuição que as comunidades religiosas e a própria religião pode fazer à vida pública etc. A sã laicidade não proíbe nem é hostil às manifestações religiosas que natural e espontaneamente se fazem presentes na vida social e política. Não as promove nem impõe juridicamente, mas tampouco as combate nem as expulsa forçadamente do cenário público.
– De que maneira a rejeição de muitos políticos a tudo que pareça provir da religião católica incide na promoção de leis e políticas públicas contrárias ao cuidado e respeito da vida humana?
– Alfonso Santiago: Algumas correntes culturais da modernidade e da pós-modernidade manifestam um tom supostamente “liberal” e “emancipador” com relação à tradição e à lei natural. Nesse sentido, a promoção de leis que deixem de lado os ensinamentos morais da Igreja teriam um valor simbólico de expressar uma suposta libertação e superação de antigas ideias opressoras, que são vistas como contrárias ao novo modo de entender a razão e a autonomia do homem. Considero que este ingrediente ideológico costuma estar presente, junto a alguns outros, em quem promove leis contrárias ao respeito absoluto intangível à vida humana, tal como propõe o Magistério da Igreja Católica.

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