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NO HOMEM INTERIOR HABITA A VERDADE

Por Daniel Machado
Quem teve a oportunidade de ler a obra de Santo Agostinho intitulada “confissões”, sabe do valor imensurável da obra tanto do ponto de vista literário, mas também do ponto de vista espiritual.
A primeira vez que li as confissões, ainda nas primeiras linhas da obra, me perguntei “como tal pessoa consegue colocar em palavras aquilo que não consigo expressar sobre mim mesmo, mas que corresponde à minha mais profunda verdade?”.
Descobri mais tarde que Santo Agostinho usou como matéria prima não só a sua história e a sede de encontrar a Deus, mas talvez o grande segredo de Agostinho, fruto de uma vida de busca, foi a descoberta do Deus que habita no homem interior.
Vemos nas páginas desta obra um homem de intimidade e liberdade. Somente um homem intimo de Deus e com uma profunda liberdade, alguém que de fato experimentou o amor e a misericórdia, poderia nos deixar tamanho presente.
Esta é a principal e mais importante descoberta de Santo Agostinho, o homem interior. Trata-se de um movimento para dentro de si, de intimidade e busca da verdade que, com maestria, ele exterioriza em sua autobiografia, e não apenas como fatos históricos, de alguém que conta a sua história de salvação pessoal, mas como descoberta de uma intimidade com Deus de dentro para fora. Santo Agostinho descobriu que somente na descoberta deste homem interior poderia haver o encontro com Deus e a liberdade que o evangelho nos promete.
Santo Agostinho passou um bom tempo de sua vida preocupado com a origem e o problema do mal, a sua adesão a Maniqueísmo quando ainda pagão foi justamente por achar que tinha encontrado a resposta para tal problema, no entanto na sua descoberta de Deus e deste homem interior, passa a se preocupar com as coisas da alma, “Deum et animam scire cupio. Nihil aliud” - quero conhecer a Deus e a alma. Nada mais!
A alma é então intimidade, lugar de encontro, lugar onde Deus está e o homem está. Traduzindo para a nossa vida, talvez a maior dificuldade do homem de hoje seja mesmo a viagem a esta dimensão da alma, a procura deste homem interior. Santo Agostinho vai dizer “Noli foras ire, in teipsum redi: in interiore homine habitat veritas” - Não procure fora. Entra em ti mesmo: no homem interior habita a verdade.
Veja que para Agostinho a descoberta do homem interior, da capacidade que o homem tem de entrar em si mesmo, faz com que o homem seja livre. Certamente não é fácil entrar neste homem interior e ali descobrir a verdade, o homem moderno sobretudo tem uma dificuldade enorme de se recolher, de penetrar em si mesmo. Santo Agostinho nos dá uma chave para adentrar nesta realidade interior do homem, que é o amor, non intratur in veritatem, nisi per caritatem – só se entra na verdade, pela caridade, pelo amor.
A grande descoberta de Santo Agostinho é também um apelo para os dias de hoje. Não precisamos andar muito para descobrir que os homens estão a procura, eles tem sede, querem algo que preencha o interior. A sede de religiosidade, as superstições, a busca de novas doutrinas e filosofias, as literaturas de auto-ajuda, a busca por um prazer momentâneo, enfim, o homem de hoje é um poço de procura e uma carência de encontro.
Vivemos o drama da fragmentação do homem, enxergamos apenas o exterior. Fomos acostumados e educados a procurar fora, nas coisas exteriores a nossa felicidade. A modernidade criou as nossas necessidade, para alguém ser feliz precisa ter, possuir, consumir, aproveitar, e cada vez mais vemos o homem vazio de si mesmo e de Deus.
Para quem quer abandonar a superficialidade da contemporaneidade deve aprender de Santo Agostinho a ser um homem interior em meio aos apelos exteriores que querem nos arrastar para o pecado.
Todos te consultam sobre o que querem. Servo fiel é aquele que não espera ouvir de ti o que desejaria ouvir, mas antes deseja aquilo que ouve de ti.
Tarde te amei, ó beleza antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”
Este trecho das confissões resume o segredo de Santo Agostinho.
“No homem interior habita a verdade”

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