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DA PÓLITICA AO MAPA DA VIDA

Uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso

por Guilherme Malzoni Rabello




Clique aqui para ler toda a entrevista e segue abaixo alguns textos selecionados.


"A ciência pode virar mera manipulação. Obviamente, li muito Descartes, e é claro que, no Discurso sobre o método, ele também mostra que a objetividade e a clareza são componentes efetivos do método científico. A confusão que não se pode fazer é imaginar que a ciência seja igual à verdade, ou então que ela seja todo o conhecimento possível, que esgote a realidade. Weber tem plena noção de que a realidade é inesgotável, e não tinha a pretensão de apresentar a explicação. Portanto, acho que certa humildade é necessária para o sujeito não cair numa visão vulgar, patética, de que o dado explicaria tudo por si mesmo."

"O político tem de ter a ética de responsabilidade: precisa saber que será responsável pelas conseqüências dos seus atos, mesmo que não sejam intencionadas. Esse é o grande drama do político: assumir responsabilidade por aquilo que não se tinha como propósito. Por isso, as conseqüências dos atos devem ser medidas. Mas, se você separa isso da questão de quais são os valores que embasam os atos, qual a finalidade dos seus atos, acho que você se torna um mero pragmático; há nisso muito de falso racionalismo. "

"De alguma maneira, aqui no Brasil temos uma visão populista do que é a vida intelectual. Esse populismo leva ao horror da diferenciação: se alguém é bom em algo, isso é ruim, porque ficou diferenciado. Mistura-se o que seria diferenciação de origem com diferenciação por você ter aprendido mais, por ter sido competente ou ser melhor dotado.
Ora, a vida acadêmica requer essa meritocracia. Meritocracia não quer dizer privilégio, não quer dizer aristocracia no sentido popular; quer dizer competência, trabalho, mais talento. Se você não valoriza isso, mas valoriza uma falsa homogeneização, não há como desenvolver boa ciência. A meritocracia requer avaliação, por exemplo, e não há nada que horrorize mais um sub-intelectual do que a avaliação, porque ele vai se revelar “sub”. E nada que o horrorize mais do que um verdadeiro intelectual, porque é diferente dele.
Isso é ruim, pois nesse tipo de percepção há uma espécie de populismo que vai contra tudo o que é a vida cultural. É uma atitude que prevalece em certos círculos, mas não leva a nada, apenas ao empobrecimento da vida cultural. A vida cultural, no sentido restrito de cultura, é feita de diferenças, de acumulação. Uns criam mais que outros. Você tem de tirar o chapéu para quem cria; isso não quer dizer que desdenhe quem não cria. Você tem de respeitar as pessoas como seres humanos, dar-lhes condições de igualdade; mas há que diferenciar o percurso de cada um: este aqui fez tal coisa, é bom intelectualmente; já o outro talvez não seja tão bom assim, ou não fez nada… Neste aspecto, não são iguais.

"Bem, isso vale para cada um de nós: você vive como se fosse eterno, sabendo que não é. Isso gera uma angústia filosófica e existencial. Não há solução: você vai morrer. E existe ainda um segundo problema: como você vai morrer. Eu tenho medo é do sofrimento; não tanto da morte, mas do sofrimento que leva a morte."


"Há o mistério, há coisas no mundo que você não explica. Não se pode ter a arrogância de achar que se sabe tudo. Isso de que estávamos falando, a morte, o que é? Qual o objetivo do universo? A vida? Diante de tudo isso, temos de ter certa humildade. Houve épocas – quando eu era mais jovem, ou no fim da adolescência, ao entrar na faculdade – em que eu era bastante adepto da explicação materialista. Hoje sou, digamos, mais cético para com as explicações objetivistas. Não adiro a uma explicação transcendente, mas abro  espaço para perguntar-me como é possível explicar uma porção de coisas. Tenho mais humildade diante dessas questões."


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