Extraido do livro "Cristianismo puro e simples" de C. S. Lewis
1. A LEI DA NATUREZA HUMANA
Todo o mundo já viu pessoas discutindo. Às vezes, a discussão soa engraçada; em outras, apenas desagradável. Como quer que soe, acredito que podemos aprender algo muito importante ouvindo os tipos de coisas que elas dizem. Dizem, por exemplo: “Você gostaria que fizessem o mesmo com você?”; “Desculpe, esse banco é meu, eu sentei aqui primeiro”; “Deixe-o em paz, que ele não lhe está fazendo nada de mal”; “Por que você teve de entrar na frente?”; “Dê-me um pedaço da sua laranja, pois eu lhe dei um pedaço da minha”; e “Poxa, você prometeu!” Essas coisas são ditas todos os dias por pessoas cultas e incultas, por adultos e crianças.
O que me interessa em todos estes comentários é que o homem que os faz não está apenas expressando o quanto lhe desagrada o comportamento de seu interlocutor; está também fazendo apelo a um padrão de comportamento que o outro deveria conhecer. E esse outro raramente responde: “Ao inferno com o padrão!” Quase sempre tenta provar que sua atitude não infringiu este padrão, ou que, se infringiu, ele tinha uma desculpa muito especial para agir assim. Alega uma razão especial, em seu caso particular, para não ceder o lugar à pessoa que ocupou o banco primeiro, ou alega que a situação era muito diferente quando ele ganhou aquele gomo de laranja, ou, ainda, que um fato novo o desobriga de cumprir o prometido. Está claro que os envolvidos na discussão conhecem uma lei ou regra de conduta leal, de comportamento digno ou moral, ou como quer que o queiramos chamar, com a qual efetivamente concordam. E eles conhecem essa lei. Se não conhecessem, talvez lutassem como animais ferozes, mas não poderiam “discutir” no sentido humano desta palavra. A intenção da discussão é mostrar que o outro está errado. Não haveria sentido em demonstrá-lo se você e ele não tivessem algum tipo de consenso sobre o que é certo e o que é errado, da mesma forma que não haveria sentido em marcar a falta de um jogador de futebol sem que houvesse uma concordância prévia sobre as regras do jogo. Ora, essa lei ou regra do certo e do errado era chamada de Lei Natural. Hoje em dia, quando falamos das “leis naturais”, quase sempre nos referimos a coisas como a gravitação, a hereditariedade ou as leis da química. Porém, quando os pensadores do passado chamavam a lei do certo e do errado de “Lei Natural”, estava implícito que se tratava da Lei da Natureza Humana. A ideia era a seguinte: assim como os corpos são regidos pela lei da gravitação, e os organismos, pelas leis da biologia, assim também a criatura chamada “homem” possui uma lei própria – com a grande diferença de que os corpos não são livres para escolher se vão obedecer à lei da gravitação ou não, ao passo que o homem pode escolher entre obedecer ou desobedecer à Lei da Natureza Humana.
Examinemos a questão sob outro prisma. Todo homem está continuamente sujeito a diversos conjuntos de leis, mas a apenas um ele é livre para desobedecer. Enquanto corpo, ele é regido pela gravitação e não pode desobedecê-la; se ficar suspenso no ar, sem apoio, fatalmente cairá como cairia uma pedra. Enquanto organismo, está sujeito a diversas leis biológicas, às quais, como os animais, não pode desobedecer. Em outras palavras, o homem não pode desobedecer às leis que tem em comum com os outros seres; mas a lei própria da natureza humana, a lei que não é compartilhada nem pelos animais, nem pelos vegetais, nem pelos seres inorgânicos, a esta lei o ser humano pode desobedecer, se assim quiser. Essa lei era chamada de Lei Natural porque as pessoas pensavam que todos a conheciam naturalmente e não precisavam que outros a ensinassem. Isso, evidentemente, não significava que não se pudesse encontrar, aqui e ali, um indivíduo que a ignorasse, assim como existem indivíduos daltônicos ou desafinados. Considerando a raça humana em geral, no entanto, as pessoas pensavam que a ideia humana de comportamento digno ou decente era óbvia para todos. E acredito que essas pessoas tinham razão. Se assim não fosse, as coisas que dizemos a respeito da guerra não teriam sentido nenhum. Se o Certo não for uma entidade real, que os nazistas, lá no fundo, conhecem tão bem quanto nós e têm o dever de praticar, qual o sentido de dizer que o inimigo está errado? Se eles não têm nenhuma noção daquilo que chamamos de Certo, talvez tivéssemos de combatê-los do mesmo jeito, mas não poderíamos culpá-los pelas suas ações, da mesma forma que não podemos culpar um homem por ter nascido com os cabelos louros ou castanhos.
Sei que certas pessoas afirmam que a ideia de uma Lei Natural ou lei de dignidade de comportamento, conhecida de todos os homens, não tem fundamento, porque as diversas civilizações e os povos das diversas épocas tiveram doutrinas morais muito diferentes.
Mas isso não é verdade. E certo que existem diferenças entre as doutrinas morais dos diversos povos, mas elas nunca chegaram a constituir algo que se assemelhasse a uma diferença total. Se alguém se der ao trabalho de comparar os ensinamentos morais dos antigos egípcios, dos babilónios, dos hindus, dos chineses, dos gregos e dos romanos, ficará surpreso, isto sim, com o imenso grau de semelhança que eles têm entre si e também com nossos próprios ensinamentos morais. Reuni alguns desses dados concordantes no apêndice que escrevi para um outro livro, chamado The Abolition of Man [A abolição do homem]. Porém, para os fins que agora temos em vista, basta perguntar ao leitor como seria uma moralidade totalmente diferente da que conhecemos. Imagine um país que admirasse aquele que foge do campo de batalha, ou em que um homem se orgulhasse de trair as pessoas que mais lhe fizeram bem. O leitor poderia igualmente imaginar um país em que dois e dois são cinco. Os povos discordaram a respeito de quem são as pessoas com quem você deve ser altruísta – sua família, seus compatriotas ou todo o género humano; mas sempre concordaram em que você não deve colocar a si mesmo em primeiro lugar. O egoísmo nunca foi admirado. Os homens divergiram quanto ao número de esposas que podiam ter, se uma ou quatro; mas sempre concordaram em que você não pode simplesmente ter qualquer mulher que lhe apetecer.
O mais extraordinário, porém, é que, sempre que encontramos um homem a afirmar que não acredita na existência do certo e do errado, vemos logo em seguida este mesmo homem mudar de opinião. Ele pode não cumprir a palavra que lhe deu, mas, se você fizer a mesma coisa, ele lhe dirá “Não é justo!” antes que você possa dizer “Cristóvão Colombo”. Um país pode dizer que os tratados de nada valem; porém, no momento seguinte, porá sua causa a perder afirmando que o tratado específico que pretende romper não é um tratado justo. Se os tratados de nada valem, se não existe um certo e um errado — em outras palavras, se não existe uma Lei Natural -, qual a diferença entre um tratado justo e um injusto? Será que, agindo assim, eles não deixam o rabo à mostra e demonstram que, digam o que disserem, conhecem a Lei Natural tanto quanto qualquer outra pessoa? Parece, portanto, que só nos resta aceitar a existência de um certo e um errado. As pessoas podem volta e meia se enganar a respeito deles, da mesma forma que às vezes erram numa soma; mas a existência de ambos não depende de gostos pessoais ou de opiniões, da mesma forma que um cálculo errado não invalida a tabuada. Se concordamos com estas premissas, posso passar à seguinte: nenhum de nós realmente segue à risca a Lei Natural. Se existir uma exceção entre os leitores, me desculpo. Será mais proveitoso que essa pessoa leia outro livro, pois nada do que vou falar lhe diz respeito. Feita a ressalva, volto aos leitores comuns.
Espero que vocês não se irritem com o que vou dizer. Não estou fazendo uma pregação, e Deus sabe que não pretendo ser melhor do que ninguém. Só estou tentando chamar a atenção para um fato: o de que, neste ano, neste mês ou, com maior probabilidade, hoje mesmo, todos nós deixamos de praticar a conduta que gostaríamos que os outros tivessem em relação a nós. Podemos apresentar mil e uma desculpas por termos agido assim. Você se impacientou com as crianças porque estava cansado; não foi muito correto naquela questão de dinheiro – questão que já quase fugiu da memória -porque estava com problemas financeiros; e aquilo que prometeu para fulano ou sicrano, ah!, nunca teria prometido se soubesse como estaria ocupado nos últimos dias. Quanto a seu modo de tratar a esposa (ou o marido), a irmã (ou o irmão) — se eu soubesse o quanto eles são irritantes, não me surpreenderia; e, afinal de contas, quem sou eu para me intrometer? Não sou diferente. Ou seja, nem sempre consigo cumprir a Lei Natural, e, quando alguém me adverte de que a descumpri, me vem à cabeça um rosário de desculpas que dá várias voltas ao redor do pescoço. A pergunta que devemos fazer não é se essas desculpas são boas ou más. O que importa é que elas dão prova da nossa profunda crença na Lei Natural, quer tenhamos consciência de acreditar nela, quer não. Se não acreditássemos na boa conduta, por que a ânsia de encontrar justificativas para qualquer deslize? A verdade é que acreditamos a tal ponto na decência e na dignidade, e sentimos com tanta força a pressão da Soberania da Lei, que não temos coragem de encarar o fato de que a transgredimos. Logo, tentamos transferir para os outros a responsabilidade pela transgressão. Perceba que é só para o mau comportamento que nos damos ao trabalho de encontrar tantas explicações. São somente as fraquezas que procuramos justificar pelo cansaço, pela preocupação ou pela fome. Nossas boas qualidades, atribuímo-las a nós mesmos.
São essas, pois, as duas ideias centrais que pretendia expor. Primeiro, a de que os seres humanos, em todas as regiões da Terra, possuem a singular noção de que devem comportar-se de uma certa maneira, e, por mais que tentem, não conseguem se livrar dessa noção. Segundo, que na prática não se comportam dessa maneira. Os homens conhecem a Lei Natural e transgridem-na. Esses dois fatos são o fundamento de todo pensamento claro a respeito de nós mesmos e do universo em que vivemos.
2. ALGUMAS OBJEÇÕES
Se essas duas ideias são nosso fundamento, é melhor que eu deixe esse fundamento bem firme antes de seguir em frente. Algumas das cartas que recebi mostram que um grande número de pessoas tem dificuldade para compreender o que significa essa Lei da Natureza Humana, ou Lei Moral, ou Regra de Bom Comportamento.
Certas pessoas, por exemplo, me escreveram perguntando: “Isso que você chama de Lei Moral não é simplesmente o nosso instinto gregário? Será que ele não se desenvolveu como todos os nossos outros instintos?” Não vou negar que possuímos esse instinto, mas não é a ele que me refiro quando falo em Lei Moral. Todos nós sabemos o que é ser movido pelo instinto — pelo amor materno, o instinto sexual ou o instinto da alimentação: sentimos o forte desejo ou impulso de agir de determinada maneira. E é claro que, às vezes, sentimos o desejo intenso de ajudar outra pessoa. Isso se deve, sem dúvida, ao instinto gregário. No entanto, sentir o desejo intenso de ajudar é bem diferente de sentir a obrigação imperiosa de ajudar, quer o queiramos, quer não. Suponhamos que você ouça o grito de socorro de um homem em perigo. Provavelmente sentirá dois desejos: o de prestar socorro (que se deve ao instinto gregário) e o de fugir do perigo (que se deve ao instinto de auto-preservação). Mas você encontrará dentro de si, além desses dois impulsos, um terceiro elemento, que lhe mandará seguir o impulso da ajuda e suprimir o impulso da fuga. Esse elemento, que põe na balança os dois instintos e decide qual deles deve ser seguido, não pode ser nenhum dos dois. Você poderia pensar também que a partitura musical, que lhe manda, num determinado momento, tocar tal nota no piano e não outra, é equivalente a uma das notas no teclado. A Lei Moral nos informa da melodia a ser tocada; nossos instintos são meras teclas.
Há outra maneira de perceber que a Lei Moral não é simplesmente um de nossos instintos. Se existe um conflito entre dois instintos e, na mente dessa criatura, não há mais nada além desses instintos, é óbvio que o instinto mais forte tem de prevalecer. Porém, nos momentos em que enxergamos a Lei Moral com maior clareza, ela geralmente nos aconselha a escolher o impulso mais fraco. Provavelmente, seu desejo de ficar a salvo é maior do que o desejo de ajudar o homem que se afoga, mas a Lei Moral lhe manda ajudá-lo, apesar dos pesares. E, em geral, ela nos manda tomar o impulso correto e tentar torná-lo mais forte do que originalmente era – não é mesmo? Ou seja, sentimos que temos o dever de estimular nosso instinto gregário, por exemplo, despertando a imaginação e estimulando a piedade, entre outras coisas, para termos força para agir corretamente na hora certa. E evidente, porém, que, no momento em que decidimos tornar mais forte um instinto, nossa ação não é instintiva. Aquilo que lhe diz: “Seu instinto está adormecido, desperte-o!”, não pode ser o próprio instinto. O que lhe manda tocar tal nota no piano não pode ser a própria nota.
Há ainda uma terceira maneira de ver a Lei Moral. Se ela fosse um de nossos instintos, seríamos capazes de identificar dentro de nós um impulso que sempre pudéssemos chamar de “bom” segundo a regra da boa conduta. Mas isso não acontece. Não existe nenhum impulso que às vezes a Lei Moral não nos aconselhe a inibir, nem outro que ela não nos encoraje a praticar de vez em quando. E um erro achar que alguns de nossos impulsos, como o amor materno e o patriotismo, são bons, e outros, como o instinto sexual e a agressividade, são maus. Tudo o que queremos dizer é que existem mais situações em que o instinto de luta e o desejo sexual devem ser contidos do que situações em que devemos conter o amor materno e o patriotismo. No entanto, em certas ocasiões, é dever do homem casado encorajar seu impulso sexual, e do soldado fomentar sua agressividade. Existem também oportunidades em que a mãe deve refrear o amor pelo filho, ou um homem deve conter o amor por seu país, para que não cometam injustiça contra outras crianças ou outros países. A rigor, não existem impulsos bons e impulsos maus. Voltemos ao piano. Não há nele dois tipos de notas, as “certas” e as “erradas”. Cada uma das notas é certa para uma determinada ocasião e errada para outra. A Lei Moral não é um instinto particular ou um conjunto de instintos; é como um maestro que, regendo os instintos, define a melodia que chamamos de bondade ou boa conduta.
Este tema, aliás, tem grandes consequências práticas. A coisa mais perigosa que podemos fazer é tomar um certo impulso de nossa natureza como critério a ser seguido custe o que custar. Não existe um único impulso que, erigido em padrão absoluto, não tenha o poder de nos transformar em demónios. Talvez você pense que o amor pela humanidade em geral é livre de perigos, mas isso não é verdade. Se deixarmos de lado o senso de justiça, logo estaremos violando acordos e falsificando provas judiciais em prol do “bem da humanidade”. Teremos então nos tornado homens cruéis e desleais.
Outras pessoas me escreveram perguntando: “Isso que você chama de Lei Moral não é somente uma convenção social, algo que nos foi incutido pela nossa educação?” Acredito que essas pessoas incorrem num mal-entendido. Elas tomam por pressuposto que, se aprendemos alguma regra de nossos pais e professores, essa regra é uma simples invenção humana. Mas é evidente que isso não é verdade. Todos aprendemos a tabuada na escola. Uma criança que crescesse sozinha numa ilha deserta não a aprenderia. Mas salta à vista que a tabuada não é apenas uma convenção humana, algo que os seres humanos fizeram para si e que poderiam ter feito diferente se assim quisessem. Concordo plenamente que aprendemos a Regra de Boa Conduta dos pais e professores, dos amigos e dos livros, assim como aprendemos todas as outras coisas. Porém, certas coisas que aprendemos são meras convenções que poderiam ser diferentes – aprendemos a manter-nos à direita na estrada, mas a regra poderia ser manter-se à esquerda -, e outras coisas, como a matemática, são verdades. A pergunta a ser feita é a qual das duas classes pertence a Lei da Natureza Humana.
Há duas razões para afirmar que ela pertence à mesma classe que a da matemática. A primeira, expressa no primeiro capítulo, é que, apesar de haver diferenças entre as ideias morais de certa época ou país e as de outros tempos ou lugares, essas diferenças, na realidade, não são muito grandes – nem de longe são tão importantes quanto a maioria das pessoas imagina -, e, assim, podemos reconhecer a mesma lei dentro de todas elas; ao passo que as meras convenções, como o sentido do trânsito ou os tipos de vestimenta, diferem largamente. A segunda razão é a seguinte: quando você considera as diferenças morais entre um povo e outro, não pensa que a moral de um dos dois é sempre melhor ou pior que a do outro? Será que as mudanças que se constatam entre elas não foram mudanças para melhor? Caso a resposta seja negativa, então está claro que nunca houve um progresso moral. O progresso não significa apenas uma mudança, mas uma mudança para melhor. Se um conjunto de ideias morais não fosse melhor do que outro, não haveria sentido em preferir a moral civilizada à moral bárbara, ou a moral cristã à moral nazista. E ponto pacífico que a moralidade de alguns povos é melhor que a de outros. Acreditamos também que certas pessoas que tentaram mudar os conceitos morais de sua época foram o que chamaríamos de Reformadores ou Pioneiros – pessoas que entenderam melhor a moral do que seus contemporâneos. Pois muito bem. No momento em que você diz que um conjunto de ideias morais é superior a outro, está, na verdade, medindo-os ambos segundo um padrão e afirmando que um deles é mais conforme a esse padrão que o outro. O padrão que os mede, no entanto, difere de ambos. Você está, na realidade, comparando as duas coisas com uma Moral Verdadeira e admitindo que existe algo que se pode chamar de O Certo, independentemente do que as pessoas pensam; e está admitindo que as ideias de alguns povos se aproximaram mais desse Certo que as ideias de outros povos. Ou, em outras palavras: se as suas noções morais são mais verdadeiras que as dos nazistas, deve existir algo – uma Moral Verdadeira — que seja o objeto a que essa verdade se refere. A razão pela qual sua concepção de Nova York pode ser mais verdadeira ou mais falsa que a minha é que Nova York é um lugar real, cuja existência independe do que eu ou você pensamos a seu respeito. Se, quando mencionássemos Nova York, tudo o que pensássemos fosse “a cidade que existe na minha cabeça”, como é que um de nós poderia estar mais próximo da verdade do que o outro? Não haveria medida de verdade ou de falsidade. Do mesmo modo, se a Regra da Boa Conduta significasse simplesmente “tudo que cada povo aprova”, não haveria sentido em dizer que uma nação está mais correta do que a outra, nem que o mundo se torna moralmente melhor ou pior.
Concluo, portanto, que, apesar de as diferenças de ideias a respeito da Boa Conduta nos levarem a suspeitar de que não existe uma verdadeira Lei de Conduta natural, as coisas que estamos naturalmente propensos a pensar provam justamente o contrário. Algumas palavras antes de terminar: conheci pessoas que exageraram essas diferenças, por terem confundido as diferenças morais com as meras diferenças de crença a respeito dos fatos. Por exemplo, um horíiem me perguntou certa vez: ‘Trezentos anos atrás, as bruxas na Inglaterra eram queimadas na fogueira. E isso que você chama de Regra da Natureza Humana ou de Boa Conduta?” Mas é claro que a razão pela qual não se executam mais bruxas hoje em dia é que não acreditamos que elas existam. Se acreditássemos – se realmente pensássemos que existem pessoas entre nós que venderam a alma para o diabo, receberam em troca poderes sobrenaturais e usaram esses poderes para matar ou enlouquecer os vizinhos, ou para provocar calamidades naturais —, certamente concordaríamos que, se alguém merecesse a pena de morte, seriam essas sórdidas traidoras. Não há aqui uma diferença de princípios morais, apenas de enfoque dos fatos. Pode ser que o fato de não acreditarmos em bruxas seja um grande avanço do conhecimento, mas não existe avanço moral algum em deixar de executá-las quando pensamos que elas não existem. Não consideraríamos misericordioso um homem que não armasse ratoeiras por não acreditar que houvesse ratos na casa.
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