VISITA APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL
POR OCASIÃO DA XXVIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
ENCONTRO DO SANTO PADRE COM OS JORNALISTAS
DURANTE O VÔO DE REGRESSO
Domingo, 28 de Julho de 2013
... CONTINUAÇÃO DA PARTE I
Padre Lombardi: Bom. Agora vamos passar aos Estados Unidos, e chamamos Hada Messia, da CNN, para lhe fazer uma pergunta:
Hada Messia: Salve... O senhor segura-se em pé melhor que eu... Não, não, não! Está bem, está bem. A minha pergunta é: quando o senhor encontrou os jovens argentinos disse a eles, um pouco a brincar e talvez um pouco a sério, que, às vezes, também o senhor sente-se enjaulado; queríamos saber a que se referia exatamente…
Papa Francisco: Se você soubesse quantas vezes tive vontade de sair pelas ruas de Roma... É que, em Buenos Aires, eu gostava de caminhar pela estrada, gostava tanto! Nesse sentido, sinto-me um pouco enjaulado. Mas, dizendo isso, devo afirmar também que estes homens da Gendarmeria vaticana são bons, bons, bons, e estou-lhes grato.
Agora deixam-me fazer mais qualquer coisa. Eu penso... seu dever é cuidar da segurança. Enjaulado, nesse sentido. Eu gostaria de caminhar pela estrada, mas entendo que não é possível: eu entendo isso. Nesse sentido, eu disse isso. É que o meu hábito era esse; como dizemos nós em Buenos Aires, eu era um padre callejero...
Padre Lombardi: Agora vamos chamar novamente um brasileiro: é Márcio Campos. E peço também Guénois que se aproxime pois a vez próxima será para os franceses.
Papa Francisco: Eu me interrogava a propósito do tempo... é que eles devem servir. Vocês estão com fome?
Vozes: Não, não...
Márcio Campos: Sua bênção, Santo Padre! Quero dizer para o senhor que, quando sentir saudades do Brasil, do povo brasileiro alegre, abrace a bandeira que eu entreguei para o senhor. Quero dizer também que desejo agradecer meus colegas do diário Folha de São Paulo, Estado, Globo e Veja por lhes estar representando com uma pergunta. Santo Padre, é muito difícil acompanhar um Papa. Estamos todos cansados. O senhor está bem, e nós estamos todos cansados. No Brasil, a Igreja Católica tem perdido fiéis, com os anos. O movimento da Renovação carismática é uma possibilidade para evitar que os fiéis procurem as igrejas pentecostais? Muito obrigado pela sua presença e muito obrigado por estar no seu vôo.
Papa Francisco: É bem verdade o que você diz acerca do declínio dos fiéis: é verdade, é verdade. Há estatísticas. Nós conversamos com os bispos brasileiros sobre o problema, em uma reunião que tivemos ontem. A pergunta do senhor era sobre o Movimento de Renovação Carismática. Eu digo-lhes uma coisa. Nos anos..., no final dos anos Setenta e início dos anos Oitenta, eu não podia vê-los. Uma vez, falando sobre eles, eu dissera esta frase: «Estes confundem uma celebração litúrgica com uma escola de samba». Isto disse eu. Eu me arrependi. Depois conheci melhor.
Verdade é também que o movimento, com bons conselheiros, fez uma boa estrada. E agora penso que esse movimento faz muito bem à Igreja, em geral. Em Buenos Aires, eu convocava-lhes frequentemente e uma vez por ano eu celebrava uma Missa com todos eles na catedral. Eu sempre lhes favoreci, depois que me converti, quando eu vi o bem que faziam. Porque, neste momento da Igreja – e aqui alargo um pouco a resposta –, eu acho que os movimentos são necessários. Os movimentos são uma graça do Espírito. «Mas como é possível subsistir um movimento que é tão livre?» Também a Igreja é livre! O Espírito Santo faz aquilo que quer. Além disso, o trabalho d’Ele é fazer harmonia. Mas eu acho que os movimentos sejam uma graça, aqueles movimentos que têm o espírito da Igreja. Por isso, creio que o movimento da Renovação Carismática sirva não só para evitar que alguns passem às confissões pentecostais; mas é útil à própria Igreja! Nos renova. E cada um procura o próprio movimento, de acordo com o seu carisma, onde o Espírito o conduz.
Pergunta de fora.
Papa Francisco: Eu estou cansado.
Padre Lombardi: Agora Guénois, de Le Figaro, pelo grupo francês.
Jean-Marie Guénois: Santo Padre, uma pergunta que é também do meu colega de La Croix: O senhor disse que a Igreja, sem a mulher, perde fecundidade. Que medidas concretas tomará? Por exemplo, o diaconato feminino ou uma mulher à frente de um dicastério? E uma pequena pergunta técnica: O senhor disse que estava cansado; tem um tratamento especial para o retorno? Obrigado, Santidade!
Papa Francisco: Comecemos pela última. Não há nenhum tratamento especial neste avião. Eu estou na frente, em uma bela poltrona, comum, mas comum, aquela que todos têm. Eu mandei escrever uma carta e fazer um telefonema para dizer que eu não queria um tratamento especial no avião: é claro?
Segundo, a mulher. Uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio Apostólico sem Maria. O papel das mulheres na Igreja não é só a maternidade, a mãe de família, mas é mais forte: é precisamente o ícone da Virgem Maria, de Nossa Senhora; aquela que ajuda a Igreja a crescer. Mas pensem que Nossa Senhora é mais importante que os Apóstolos! É mais importante! A Igreja é feminina: é Igreja, é esposa, é mãe. Mas, na Igreja, a mulher não deve apenas... - não sei como dizer em italiano – o papel da mulher na Igreja não deve circunscrever-se a ser mãe, trabalhadora... Limitá-la não! É outra coisa!
Mas os Papas... Paulo VI escreveu uma coisa bonita sobre as mulheres, mas acho que se deve avançar mais na explicitação deste papel e carisma da mulher. Você não pode entender uma Igreja sem mulheres, mas mulheres ativas na Igreja, com o seu perfil, que fazem avançar. Vem-me à mente um exemplo que não tem nada a ver com a Igreja, mas é um exemplo histórico: na América Latina, o Paraguai. Para mim, a mulher do Paraguai é a mulher mais gloriosa da América Latina. Você é paraguaio? Após a guerra, ficaram oito mulheres para cada homem, e essas mulheres fizeram uma escolha um pouco difícil: a escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé e a língua.
Na Igreja, temos de pensar a mulher sob essa perspectiva de escolhas arriscadas, mas como mulheres. Isso deve ser explicitado melhor. Eu acho que ainda não se fez uma profunda teologia da mulher na Igreja. Limitamo-nos a dizer que pode fazer isto, pode fazer aquilo, agora faz a coroinha, depois faz a Leitura, é a presidente da Caritas... Mas, há muito mais! É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.
Padre Lombardi: Pelo grupo espanhol, temos agora Pablo Ordaz, de El País:
Pablo Ordaz: Gostaríamos de saber como é sua relação de trabalho, e não só de amizade e colaboração, com Bento XVI – nunca antes houve uma situação semelhante –, saber se você tem contatos frequentes e se ele lhe está ajudando neste trabalho. Muito obrigado!
Papa Francisco: Creio que a última vez que houve dois Papas, ou três Papas, eles não se falavam; eles estavam brigando entre si para ver quem era o verdadeiro. Chegaram a ser três, durante o Cisma do Ocidente. Há uma coisa que qualifica a minha relação com Bento: eu o amo muito. Sempre o amei. Para mim, ele é um homem de Deus, um homem humilde, um homem que reza. Fiquei tão feliz, quando ele foi eleito Papa. Mesmo quando renunciou, foi para mim um exemplo de grandeza! Um grande. Só um grande faz isso! Um homem de Deus e um homem de oração.
Agora ele vive no Vaticano, e alguns dizem para mim: Como é possível chegar a isto? Dois Papas, no Vaticano! Mas ele não lhe estorva? Ele não move revolução contra você? Enfim, todas essas coisas que dizem, não? Eu encontrei uma frase para explicar isto: «É como ter o avô em casa», mas o avô sábio. É como, numa família, quando o avô está em casa, quando é venerado, amado, ouvido. Ele é um homem de prudência! Não se intromete.
Eu lhe disse tantas vezes: «Santidade, receba, viva a sua vida, venha conosco». Ele veio para a inauguração e a bênção da estátua de São Miguel. Bem, aquela frase diz tudo. Para mim, é como ter o avô em casa: o meu pai. Se eu tivesse uma dificuldade ou uma coisa que não entendia, telefonaria: «Mas – me diga – eu posso fazer assim, isso?». E quando eu fui para falar sobre aquele problema sério de Vatileaks, ele me contou tudo com uma grande simplicidade... como se estivesse ao serviço. Há uma coisa que não sei se vocês a sabem, eu acho que sim, mas não tenho a certeza: quando ele nos falou, no discurso de despedida, em 28 de fevereiro, disse-nos: «Entre vós, está o próximo Papa: eu lhe prometo obediência». Mas é um grande; este é um grande!
Padre Lombardi: Agora vamos dar a palavra novamente a uma brasileira, Anna Ferreira; aproxime-se também Gian Guido Vecchi, pelo grupo italiano.
Anna Ferreira: Santo Padre, boa noite. Obrigado. Eu gostaria de dizer «obrigado» muitas vezes: obrigado porque você trouxe tanta alegria para o Brasil, e obrigado também por responder às nossas perguntas. Nós, jornalistas, gostamos muito de fazer perguntas. Queria saber o motivo por que ontem você falou aos bispos brasileiros sobre a participação das mulheres em nossa Igreja. Eu queria entender melhor: como deve ser esta participação de nós, mulheres, na Igreja? O que você acha também da ordenação das mulheres? Qual deve ser a nossa posição na Igreja?
Papa Francisco: Eu queria explicar um pouco mais o que eu disse sobre a participação das mulheres na Igreja: não pode ser limitada ao fato que faça a coroinha ou a presidente da Caritas, a catequista... Não! Deve ser mais, mas profundamente mais, inclusive misticamente mais, juntamente com aquilo eu já disse da teologia da mulher.
E, quanto à ordenação das mulheres, a Igreja falou e disse: «Não». Disse isso João Paulo II, mas com uma formulação definitiva. Aquela porta está fechada. Mas, a propósito disso, eu quero dizer-lhe uma coisa. Eu já disse isso, mas repito. Nossa Senhora, Maria, era mais importante que os Apóstolos, os bispos, os diáconos e os presbíteros. A mulher, na Igreja, é mais importantes que os bispos e os presbíteros; o como é que devemos procurar explicitar melhor, porque eu acho que falta uma explicação teológica disso. Obrigado.
Padre Lombardi: Gian Guido Vecchi, do Corriere della Sera. Peço para se aproximarem a senhora Pigozzi e Nicole... depois.
Gian Guido Vecchi: Santo Padre, também nesta viagem falou várias vezes de misericórdia. A propósito do acesso aos sacramentos para os divorciados que voltaram a casar, há possibilidades que algo mude na disciplina da Igreja? Que esses sacramentos sejam uma ocasião para aproximar essas pessoas, em vez de uma barreira que os separa dos outros fiéis?
Papa Francisco: Este é um tema que sempre pedem. A misericórdia é maior do que aquele caso que o senhor põe. Eu creio que este seja o tempo da misericórdia. Esta mudança de época e também os muitos problemas da Igreja – como um testemunho não bom de alguns padres, problemas mesmo de corrupção na Igreja, também o problema do clericalismo, só para exemplificar – deixaram muitos feridos, muitos feridos.
E a Igreja é Mãe: deve ir curar os feridos, com misericórdia. Mas, se o Senhor não se cansa de perdoar, nós não temos outra escolha além desta: em primeiro lugar, curar os feridos. É mãe, a Igreja, e deve seguir por esse caminho de misericórdia. E encontrar uma misericórdia para todos. Mas eu acho que, quando o filho pródigo voltou para casa, o pai não lhe disse: «Mas ouça, ponha-se cômodo: o que você fez com o dinheiro?» Não! Ele fez festa! Talvez depois, quando o filho quis falar, ele falou.
A Igreja deve fazer assim. Quando há pessoas... não se limitar a esperar por elas, mas sair ao seu encontro! Esta é a misericórdia. E eu penso que este seja um kairós: este tempo é um kairós de misericórdia. Mas o primeiro que teve esta intuição foi João Paulo II: quando ele começou com Faustina Kowalska, com a Divina Misericórdia... tinha algo em mente, ele intuíra que era uma necessidade deste tempo. Relativamente ao problema da Comunhão para as pessoas em segunda união – já que os divorciados podem ir à Comunhão, não há problema – mas, quando eles vivem em segunda união, não podem. Eu acho que é necessário estudar isso na totalidade da pastoral do matrimônio. E por isso é um problema.
Mas os próprios ortodoxos – e aqui abro um parêntese – têm uma prática diferente. Eles seguem a teologia da economia, como eles dizem, e dão uma segunda possibilidade, permitem-no. Mas eu acho que este problema – e fecho o parêntese – deve ser estudado no quadro da pastoral do matrimônio. E, para isso, temos duas coisas: primeira, um dos temas a consultar a estes oito cardeais do Conselho dos Cardeais, com quem nos reuniremos nos dias 1, 2 e 3 de outubro, é como avançar na pastoral do matrimônio, e este problema será lançado lá.
E uma segunda coisa: esteve comigo, quinze dias atrás, o secretário do Sínodo dos Bispos, para ver o tema do próximo Sínodo. O tema seria antropológico, mas olhando-o de um lado e de outro, indo e vindo, encontramos este tema antropológico: a fé como ajuda no planejamento da pessoa, mas na família para se debruçar depois sobre a pastoral do matrimônio. Estamos a caminho de uma pastoral do matrimônio um pouco mais profunda. E este é um problema de todos, porque há muitos, não?
Por exemplo – digo apenas um – o cardeal Quarracino, meu predecessor, dizia que para ele metade dos matrimônios são nulos. Mas dizia isso, porquê? Porque casam-se sem maturidade, casam-se sem notarem que é para toda a vida, ou casam-se porque socialmente se devem casar. E com isso tem a ver a própria pastoral do matrimônio. E também o problema judicial da nulidade dos matrimônios: isso deve ser revisto, porque os Tribunais eclesiásticos não são suficientes para isso. É complexo o problema da pastoral do matrimônio. Obrigado!
Padre Lombardi: Obrigado. Agora temos a senhora Pigozzi, do Paris Match, que é ainda do grupo francês…
Caroline Pigozzi: Boa noite, Santo Padre. Queria saber se, desde que é Papa, se sente ainda jesuíta…
Papa Francisco: Trata-se de uma questão teológica, porque os jesuítas fazem voto de obedecer ao Papa. Mas, se o Papa for jesuíta, será que deve fazer voto de obedecer ao Geral dos jesuítas? Eu não sei como se resolve isso... Eu sinto-me jesuíta em minha espiritualidade; na espiritualidade dos Exercícios, a espiritualidade, aquela que eu tenho no coração. E tanto me sinto assim que, dentro de três dias, irei celebrar com os jesuítas a festa de Santo Inácio: celebrarei de manhã a Missa. Eu não mudei de espiritualidade, não. Francisco, sim; franciscano, não. Sinto-me jesuíta e penso como jesuíta. Não hipocritamente, mas penso como jesuíta. Obrigado, senhora!
Padre Lombardi: Se você ainda tiver forças, há ainda qualquer pergunta. Agora, Nicole Winfield, que é da Associated Press, e há... Mas não era... Bem, eu tenho uma lista e aqui verdadeiramente... Pensava que vocês se tinham organizado. Está bem, Elizabetta! Ponha-se você também na lista. Desculpe.
Nicole Winfield: Santidade, obrigado mais uma vez por ter vindo «ao meio dos leões». Santidade, no quarto mês do seu pontificado, eu queria pedir-lhe para fazer um pequeno balanço. Pode-nos dizer qual foi a coisa melhor de ser Papa, algum detalhe engraçado, qual foi a pior, e qual foi a coisa que mais lhe surpreendeu nesse período?
Papa Francisco: Mas eu não sei como responder a isso, verdadeiramente. Coisas ruins, ruins não houve. Coisas bonitas, sim! Por exemplo, o encontro com os Bispos italianos foi muito bom, muito bom. Como Bispo da capital de Itália, me senti em casa com eles. E isso foi bom, mas não sei se tenha sido o melhor. Depois uma coisa dolorosa, mas que penetrou fundo no meu coração, foi a visita a Lampedusa. Essa é caso de chorar, mas fez-me bem aquilo. Quando chegam estes barcos, deixam-nos a algumas milhas de distância da costa e eles têm que chegar sozinhos com o barco. Isso me faz pena, porque penso que essas pessoas são vítimas de um sistema sócio-econômico mundial.
Mas a coisa pior – desculpe – que me veio foi uma dor ciática – é verdade! – que tive no primeiro mês, porque, para dar entrevistas, me sentava em uma poltrona e isso fez-me um pouco de mal. É uma dor ciática dolorosíssima, dolorosíssima! Não a desejo a ninguém! Mas outras coisas como falar com as pessoas, o encontro com os seminaristas e as religiosas foram lindas, muito lindas. Também o encontro com os estudantes dos colégios jesuítas foi belíssimo. Enfim... coisas boas!
Pergunta: Qual é a coisa que mais tem surpreendido o senhor?
Papa Francisco: As pessoas, as pessoas, as pessoas boas que eu encontrei. Encontrei tantas pessoas boas no Vaticano. Eu pensei no que digo; mas é verdade. É um dever de justiça dizê-lo: tantas pessoas boas. Muitas pessoas boas, tantas pessoas boas, mas boas, boas, boas!
Padre Lombardi: Agora Elisabetta... Santidade, esta já a conhece e também Sergio Rubini. Talvez possa aproximar-se; assim temos os argentinos.
Elisabetta Piqué: Papa Francisco, antes de mais nada em nome dos cinquenta mil argentinos que encontrei lá e me disseram: «Você vai viajar com o Papa; por favor, diga-lhe que ele foi fantástico, estupendo; pergunte a ele quando virá... Mas Vossa Santidade já disse que não irá. Por isso, lhe faço uma pergunta mais difícil: Ficou assustado quando viu o informe sobre Vatileaks?
Papa Francisco: Não! Deixe-me contar-lhe uma história sobre o informe «Vatileaks». Quando eu fui encontrar Papa Bento, depois de termos rezado na capela, fomos ao escritório dele e eu vi uma grande caixa e um envelope grande. E Bento disse-me: «Nesta caixa grande, estão todas as declarações, as coisas que disseram as testemunhas, está tudo ali. Mas o resumo e o julgamento final estão neste envelope. E aqui se diz isto..., isto... e isto...» Ele tinha tudo na cabeça! Mas que inteligência! Tudo na memória, tudo! Não me assustei, não. É um problema sério! Mas não me assustei.
Sergio Rubín: Santidade, duas coisas. A primeira é esta: o senhor insistiu em travar a perda de fiéis. No Brasil, foi muito forte. Espera que esta viagem contribua para que as pessoas voltem à Igreja e a sintam mais próxima? E a segunda, mais familiar: o senhor gostava muito da Argentina, e tinha bem dentro do coração Buenos Aires. Os argentinos se perguntam se o senhor não sinta tanta falta desta Buenos Aires, que percorria nos ônibus, nos autocarros, caminhava pelas ruas. Muito obrigado!
Papa Francisco: Eu acredito que uma viagem papal faz sempre bem. E eu acho que, no Brasil, isso vai fazer bem, e não somente a presença do Papa, mas aquilo que foi feito nesta Jornada Mundial da Juventude: eles mobilizaram-se e farão muito bem, certamente ajudarão tanto a Igreja. Entretanto estes fiéis que saíram, muitos deles não são felizes, porque sentem que pertencem à Igreja. Penso que isso será positivo não só devido à viagem, mas sobretudo à Jornada: a Jornada foi um evento maravilhoso. Quanto a Buenos Aires, é verdade que às vezes me falta. Isso sinto. Mas é uma carência serena, é uma carência serena, é uma carência serena. Eu creio que você, Sergio, me conheça melhor que todos os outros; você pode responder a esta pergunta. Com o livro que escreveu!
Padre Lombardi: Agora temos o russo e, em seguida, havia Valentina, que é a decana e queria ela encerrar.
Alexey Bukalov: Boa noite, Santo Padre. Santo Padre, voltando ao ecumenismo: hoje os ortodoxos celebram 1025 anos de cristianismo; haverá grandes celebrações em muitas capitais. Se quiser fazer um comentário sobre este fato, deixar-me-á feliz com isso. Obrigado.
Papa Francisco: Nas Igrejas ortodoxas, foi conservada aquela primitiva liturgia, tão bela. Nós perdemos um pouco o sentido da adoração; elas conservam-no, elas louvam a Deus, elas adoram a Deus, cantam, o tempo não conta. O centro é Deus, e esta é uma riqueza que gostava de sublinhar nesta ocasião em que você me faz essa pergunta. Certa vez, falando da Igreja do Ocidente, da Europa Ocidental, sobretudo a Igreja mais crescida, me foi dita esta frase: «Lux ex oriente, ex ocidente luxus».
O consumismo, o bem-estar fizeram-nos muito mal. Vocês, pelo contrário, mantiveram no centro essa beleza de Deus, como referência. Quando se lê Dostoiévski – eu acho que é, para todos nós, um autor que devemos ler e reler, porque tem uma sabedoria – percebe-se qual é a alma russa, a alma oriental. É algo que nos fará muito bem. Precisamos dessa renovação, desse ar fresco do Oriente, dessa luz do Oriente. João Paulo II escreveu isso em sua Carta. Mas, muitas vezes, o luxus do Ocidente nos faz perder o horizonte. Não sei, mas o que me ocorre dizer é isto: Obrigado!
Padre Lombardi: E então encerramos com Valentina; visto que tinha começado na viagem de ida, agora conclui na viagem de regresso.
Valentina Alazraki: Santidade, obrigado por ter mantido a promessa de responder às nossas perguntas no regresso…
Papa Francisco: Fiz-lhes demorar o jantar…
Valentina Alazraki: Não importa, não importa. Bem, a pergunta de todos os mexicanos seria: Quando vai a Guadalupe? Mas essa é dos mexicanos, a minha seria: Vossa Santidade irá canonizar dois grandes Papas, João XXIII e João Paulo II; eu queria saber qual é – a seu modo de ver – o modelo de santidade que sobressai num e noutro e qual é o impacto que eles tiveram na Igreja e na vida do senhor.
Papa Francisco: João XXIII é um pouco a figura do «padre da aldeia», o padre que ama a cada um dos fiéis, que sabe cuidar dos fiéis e fez isso como bispo, como núncio. Se soubessem quantas certidões falsas de Batismo passou na Turquia a favor dos judeus! É um corajoso, um padre de aldeia bom, com um sentido de humorismo muito grande, muito grande, e uma grande santidade. Quando era núncio, havia alguns no Vaticano que não gostavam muito dele e quando ele chegava para trazer coisas ou pedir, em alguns serviços faziam-no esperar. Nunca se lamentou: rezava o terço, lia o Breviário…, nunca se lamentou! Um manso, um humilde, e também um que se preocupava com os pobres.
Quando o Cardeal Casaroli voltou de uma missão na Hungria ou no território da Checoslováquia de então – não me lembro qual das duas –, foi ter com ele para explicar-lhe como andara a missão, naquele período da diplomacia dos «pequeno passos». E houve a audiência – João XXIII morria 20 dias depois – e quando Casaroli estava saindo, ele o parou: «Ah Eminência – não, não era Eminência – Excelência, uma pergunta: o senhor continua a visitar aqueles adolescentes?» (é que Casaroli ia ao cárcere juvenil de Casal del Marmo e jogava com eles). E Casaroli disse: «Sim, sim!» «Nunca lhes abandone». Isso disse João XXIII a um diplomata, que acabava de fazer um périplo de diplomacia, uma viagem tão empenhativa: «O senhor nunca abandone aqueles adolescentes». É um grande, um grande!
Depois o evento do Concílio: é um homem dócil à voz de Deus, porque aquilo lhe veio do Espírito Santo; lhe veio e ele foi dócil. Pio XII pensava em fazê-lo, mas as circunstâncias não estavam ainda maduras para isso. Eu acho que este [João XXIII] não pensara nas circunstâncias: ele sentia aquilo e fê-lo. Um homem que se deixava guiar pelo Senhor. De João Paulo II, apetece-me chamar-lhe «o grande missionário da Igreja»: é um missionário, é um missionário, um homem que levou o Evangelho a toda a parte; sabem-no melhor vocês do que eu. Quantas viagens ele fez? Ia! Ele sentia este fogo de fazer avançar a Palavra do Senhor. É um Paulo, é um São Paulo, é um homem assim; e isso para mim é grande.
E acho que fazer a cerimônia de canonização dos dois juntos seja uma mensagem para a Igreja: estes dois são bons, eles são bons, são dois bons. Mas estão em curso as causas de Paulo VI e também do Papa Luciani: as causas destes dois estão em andamento. Uma coisa mais – creio que já a disse, mas não sei se aqui ou em outra parte –: a data de canonização. Pensava-se no dia 8 de dezembro deste ano, mas levanta-se um problema sério: aqueles que vêm da Polônia, os pobres – porque aqueles que têm meios podem vir de avião – mas os pobres que querem vir fazem-no de ônibus; e, em Dezembro, as estradas já têm neve, acho que devemos repensar a data. Falei com o cardeal Dziwisz e ele me sugeriu duas possibilidades: o Cristo Rei deste ano, ou o domingo da Misericórdia do próximo ano. Eu acho que é um tempo curto o Cristo Rei deste ano, porque o Consistório será em 30 de setembro e, até ao final de outubro, há pouco tempo. Não sei, tenho de falar com o cardeal Amato sobre isso. Mas penso que não vai ser em 8 de dezembro.
Pergunta: Mas serão canonizados juntos?
Papa Francisco: Os dois juntos, sim.
Padre Lombardi: Obrigado, Santidade. Quem temos ainda? Ilze? Bem, com ela, teremos dado a palavra a todos mesmo, até mais dos que inicialmente se inscreveram…
Ilze Scamparini: Queria pedir licença para fazer uma pergunta um pouco delicada: outra imagem que também girou um pouco pelo mundo, foi a de Mons. Ricca e as notícias sobre a sua intimidade. Queria saber, Santidade, que pensa fazer em relação a este assunto? Como enfrentar esta questão e como Vossa Santidade pensa abordar toda a questão da lobby gay.
Papa Francisco: No caso de Mons. Ricca; eu fiz aquilo que o Direito Canônico manda fazer, ou seja, a investigatio previa. E, a partir desta investigatio, não há nada de quanto o acusam, não encontramos nada sobre isso. Esta é a resposta. Mas eu queria acrescentar mais uma coisa sobre isso: eu vejo que muitas vezes na Igreja, fora deste caso e também neste caso, vão-se procurar, por exemplo, os «pecados de juventude» e isso é publicado. Não se trata de delitos, atenção; os delitos são coisa diferente: o abuso de menores é um delito. Não se trata disso, mas de pecados.
Ora, se uma pessoa – leigo, sacerdote ou religiosa – cometeu um pecado e depois se converteu, o Senhor perdoa; e quando o Senhor perdoa, o Senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos nos confessar e dizemos, com verdade, «eu pequei nisto», o Senhor esquece e nós não temos o direito de não esquecer, porque corremos o risco de que o Senhor também não se esqueça dos nossos [pecados]. Isso é um perigo. Isso é importante: a teologia do pecado. Muitas vezes eu penso em São Pedro: fez um dos piores pecados, que é renegar a Cristo, e com este pecado Cristo o fez Papa. Devemos pensar muito.
Mas, voltando à sua pergunta mais concreta: neste caso, eu fiz a investigatio previa e nada encontramos. Esta era a primeira pergunta. Depois, você falava da lobby gay. Bem! Escreve-se muito sobre a lobby gay. Eu ainda não encontrei ninguém com o bilhete de identidade no Vaticano dizendo que é «gay». Dizem que há. Eu acho que, quando alguém se encontra com uma pessoa assim, deve distinguir entre o fato de que uma pessoa seja gay e o fato de formar uma lobby, porque as lobby nem todas são boas. Isso é mau.
Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar? O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem, dizendo – esperem um pouco… como diz... -: «Não se devem marginalizar estas pessoas por isso, devem ser integradas na sociedade». O problema não é ter essa tendência, não; devemos ser irmãos, porque este é apenas um; mas se há mais outro, outro. O problema é fazer lobby dessa tendência: lobby de gananciosos, lobby de políticos, lobby dos maçons, tantas lobby. A meu ver, este é o problema mais grave. E lhe agradeço muito por ter feito esta pergunta. Muito obrigado!
Padre Lombardi: Obrigado. Parece-me que mais do que isto não se podia fazer. Abusamos até do Papa, que nos dissera que já estava um pouco cansado e lhe desejamos que descanse um pouco agora.
Papa Francisco: Obrigado a vocês e boa noite, boa viagem e bom descanso.
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