Entrevista com o presidente da Associação Italiana de Psicólogos e Psiquiatras Católicos
Por Mirko Testa
ROMA, domingo, 1 de março de 2009 (ZENIT.org).- Nos dias de hoje, entre as diversas formas de desvio juvenil, assistimos à expansão do fenômeno do satanismo cultural, cada vez mais preocupante, com a cumplicidade da fácil disponibilidade de conteúdos esotéricos na internet e a falta de valores fortes na família.
Quem está convencido disso é o Dr. Tonino Cantelmi, psiquiatra e presidente da Associação Italiana de Psicólogos e Psiquiatras Católicos (http://www.aippc.net/), coautor, com a psicoterapeuta Cristina Cacace, de «O livro negro do satanismo» («Il libro nero del satanismo», editora San Paolo), que fala de uma verdadeira invasão dos convites à cultura satânica através de livros, revistas, mas sobretudo blogs e cinema.
Cantelmi alerta em concreto sobre os novos dramáticos cenários que esperam o homem na próxima década, e que não serão já paraísos opiláceos, mas temáticos: Second Life, salas de bate-papo, internet, facebook etc. projetam uma perspectiva de humanidade deprimida, mais compulsiva.
Nesta entrevista concedida à Zenit, Cantelmi explora o limiar entre possessões demoníacas e psicopatologias.
– Nossa sociedade hipertecnológica está de verdade tão fascinada pelo satanismo?
– Cantelmi: A verdadeira questão é: nós nos encontramos diante de cruéis aduladores de Satanás ou frágeis filhos dos tempos atuais? Segundo nossos cálculos, na Itália há cerca de 5 mil pessoas que são afetadas diretamente por um tema satânico, mas estamos assistindo a um satanismo cultural e ao desenvolvimento de um satanismo ateu, no qual Satanás é a ocasião para um ulterior encobrimento, é uma evolução.
Se até pouco tempo atrás o satanismo se escondia por trás das sombras das cidades ou nos povoados, hoje, em rede, o satanismo adquiriu pleno direito de cidadania: converteu-se em um produto de consumo.
Nossos jovens são atraídos por uma série de crenças, seitas, religiões diferentes. Na amostragem examinada, 76% dos casos se interessam por magia, cartomancia, ritualismo, iniciação, esoterismo, enquanto o contato com material satânico é facílimo em 78% dos casos, sobretudo através da música, cinema, livros e internet.
Respondendo a perguntas mais específicas, mais da metade dos jovens confessa que tem curiosidade pelo satanismo; 1 de cada 3 jovens declara sentir-se atraído; 10% diz que se Satanás lhe assegurasse a felicidade, não teria dificuldade em segui-lo, sinal este de infelicidade e do sofrimento que há no mundo atual. Uma frase muito difundida na rede, em todas as páginas introdutórias de sites satânicos, é de John Milton, extraída de «Paraíso Perdido»: «Melhor ser soberanos no inferno do que servos no paraíso».
– Pode-se falar por um lado de fenômenos sobrenaturais e por outro de patologias psiquiátricas? Existe uma área nebulosa na qual estes elementos se confundem?
– Cantelmi: Em um estudo levado a cabo entre 10 pessoas, entre as quais – segundo exorcistas – havia certamente fenômenos sobrenaturais, emergiram também problemas psiquiátricos. A tarefa se complica muitíssimo se o problema é distinguir entre pessoas que sofrem doenças psiquiátricas e as que vivem experiências sobrenaturais. Lamentavelmente, a fragilidade psíquica é um forma de entrada extraordinária de sofrimento de todo tipo.
Isso indica que psiquiatras e exorcistas devem colaborar uns com os outros. Muitos psiquiatras são indiferentes, relegam o mundo do exorcismo ao da superstição; a psiquiatria e a psicologia são ciências relativamente jovens que tiveram de lutar para definir seus próprios estatutos epistemológicos e que têm muitas áreas fronteiriças. Só estabelecer o que é normal e o que é patológico já exige contribuições da antropologia e da filosofia. Freud, que para nós é como pré-histórico, categoriza o fenômeno religioso dentro dos problemas neuróticos: tende a não ver consistência neles, realidade; tende a ver seu aspecto de vivência neurótica. Precisamente neste momento estou denunciando a discriminação que os pacientes crentes sofrem nas psicoterapias, porque seus valores são com frequência ridicularizados por muitos terapeutas ou, na maioria das vezes, ignorados.
Em 1999, fundamos a Associação Italiana de Psicólogos e Psiquiatras Católicos com o objetivo de ajudar a psicologia e a psiquiatria a dialogarem com outras ciências, com a antropologia e com a teologia, convencidos de que uma psicologia honesta pode enriquecer-se com contribuições diferentes.
Uma coisa que é preciso combater são os sincretismos, ou seja, os «psicossantos», os psiquiatras, os psicólogos que abençoam, que rezam com seus pacientes. O psiquiatra deve ser psiquiatra!
Penso também que nós, os psiquiatras, não podemos explicar toda a realidade humana. Descobri que os exorcistas são pessoas muito avançadas. Conseguem detectar o sofrimento psíquico e encaminhar com confiança seus pacientes ao tratamento do psiquiatra. Os exorcistas estão absolutamente abertos à contribuição dos psiquiatras.
– Que tipo de problemas psíquicos a possessão demoníaca pode simular?
– Cantelmi: Entrando no específico da psiquiatria, abrem-se diante de nós dois grandes âmbitos: o delírio e as alucinações. Chamamos de delírio o transtorno do pensamento, enquanto as alucinações são um transtorno das percepções: são dois elementos patológicos do ponto de vista psíquico; o pensamento é um processo mental que comporta a manipulação de símbolos; e isso se dá através da formação de conceitos, de mecanismos de abstração, de generalização, do raciocínio, processos elaborados que usam regras para chegar a resultados concretos.
Os psiquiatras distinguem duas grandes áreas de sintomas no que se refere aos transtornos do pensamento: os de conteúdo, que se referem às ideias e empenham toda a área do delírio, e os formais, que se referem ao modo no qual estas ideias se unem.
Como se identifica o delírio? Antes de tudo, deve-se dizer que o delírio não muda, não pode se sobrepor à crítica, caracteriza-se por um conteúdo não coerente com a realidade. Há delírios facilmente detectáveis e outros, ao contrário, muito mais consistentes e dificilmente detectáveis.
O delírio pode ser excêntrico, privado de lógica, ou sistemático e, portanto, com uma lógica interna. O delírio pode ser de vários tipos: de influência, de referência, de perseguição, de grandeza, de ciúmes – o cônjuge é um traidor –, erotomaníaco – uma pessoa importante está apaixonada por mim –, hipocondríaco, somático – sinto que meu fígado é de cristal –, místico, de culpa, de ruína, niilismo – o paciente está convencido de que está morto.
O delírio é um sintoma de várias patologias, por exemplo, a excitação maníaca, e aqui as coisas se complicam, porque o paciente neste estado é um paciente inteligente, ativo, que talvez tenha um delírio de grandeza e que talvez tenha inclusive alucinações, vê coisas, ouve vozes, constrói uma realidade, articula-a e a explica bem. Pode ser convincente e pode ser muito difícil captar estes aspectos. Em um delírio de influência, o sujeito sente que em sua cabeça entram pensamentos, está convencido de ser tele-dirigido.
Grande parte dos delírios são de perseguição: o sujeito interpreta que alguns fatos estão contra ele. Outra característica é que este conteúdo é sempre interpretado como autorreferencial: passa um carro e toca a buzina: para mim, se estou delirando, é um sinal, confirma o que estou pensando, ou seja, refiro a mim mesmo uma série de experiências casuais.
Alguns delírios se escondem; há pessoas que deliram e guardam para si. Hoje, a sociedade competitiva desenvolve mais delírios de perseguição, de ameaça, de agressão, mas o ponto importante é que o delírio não está sozinho, e sim acompanhado de transtornos das percepções, que em geral confirmam o delírio. Por exemplo, no delírio de envenenamento (há alguém que está me envenenando), quando provo certo alimento, noto o sabor do veneno, tenho uma alucinação gustativa, percebo seu odor. Tive um paciente que derrubou uma parede porque tinha uma alucinação olfativa, cheirava a enxofre e estava convencido de que naquela parede estava o demônio.
As alucinações visíveis podem ser de dois tipos: vejo que Nossa Senhora aparece para mim, ou não a vejo, mas meu cérebro constrói uma imagem, tem alucinações olfativas, gustativas, visuais, táteis...
Os mais frequentes são os delírios auditivos, ou seja, quando ouço vozes que comentam minha atuação, que me ofendem, que me agridem, que não me deixam em paz, que me mandam fazer algo, vozes teológicas que me dão o sentido do que estou fazendo, vozes que interpretam os demais, vozes que indicam um comportamento. Então, posso sentir-me perseguido por uma pessoa, sinto que seu olhar está me dizendo muitas coisas, ouço que é uma voz de homem, é a voz de Deus.
Entre as perturbações do pensamento está também a mistura de palavras, o falar associando ideias e conceitos por assonância, sem nem sequer conhecer seu sentido. Na esquizofrenia, o sujeito inventa palavras, neologismos, fala com ritmo e parece que verdadeiramente fala outra língua, ainda não tendo nenhum conexão com outra língua.
Os transtornos formais do pensamento também podem ser positivos: o sujeito fala muito, de maneira detalhada; dá-se também o fenômeno da fuga das ideias, ou seja, a pessoa se bloqueia porque as palavras não conseguem já seguir seu pensamento, que é muito veloz. Ou a incapacidade de fazer associações mentais (o sujeito parte de um ponto e não chega nunca a dizer o que tem que dizer). Existe também a glossolalia, ou seja, a expressão de mensagens reveladoras, com palavras incompreensíveis, típico dos esquizofrênicos, quando o sujeito está convencido de ter um anúncio para a humanidade. Ou a ecolalia, ou seja, a impossibilidade de falar se não for repetindo o que outros dizem. Dá-se também um eco dos gestos, quando as pessoas não fazem outra coisa senão repetir os gestos que veem outros fazerem.
Há também os transtornos negativos, como o bloqueio das ideias: o sujeito responde sempre do mesmo modo, tem pobreza de expressão. O ponto álgido dos transtornos formais do pensamento é o transtorno obsessivo, que se caracteriza por pensamentos, impulsos, imagens que eu sinto como estranhas e tento afastar, mas sem conseguir, e para fazê-lo tenho de recorrer a ritos, compulsões. Tenho um paciente obsessivo que enquanto recita as Laudes pela manhã, começa a pensar em uma pessoa. O pensamento obsessivo, que é um pensamento inclusive mágico, se lhe insinua e lhe diz: «Aquela pessoa hoje morrerá», «sou responsável pela morte dessa pessoa», «se isso me acontece neste salmo, eu o repetirei nove vezes», pensa meu paciente.
Muitas pessoas obsessivas sentem com frequência o impulso de rir em um funeral e blasfemar em uma igreja. Na realidade, o paciente obsessivo nunca o faz, não cede, mas sofre por isso e o combate. Porque sua vida está feita de impulsos que são a cara comportamental das obsessões. A vida de um obsessivo se transformará com o tempo em uma vida terrível e dolorosa de compulsões. Desde sempre, este tipo de psique que Freud já definia como «parasita» penetrou na humanidade e desde sempre a obsessão foi considerada uma loucura lúcida, mas de grande sofrimento.
Fonte: Zenit
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