Na linha do Papa Luciani
1. Ninguém poderia imaginar que a audiência geral do Santo Padre João Paulo I da quarta-feira, 27 de setembro, seria a última. A sua morte depois de trinta e três dias de pontificado deixou o mundo surpreso e invadido por um profundo pesar. Ele, que suscitou uma alegria tão grande na Igreja e inundou os corações dos homens com uma enorme esperança, consumou e levou a cabo a sua missão num tempo muito breve. Na sua morte fizeram-se realidade as palavras tão repetidas no Evangelho: Estai também vós preparados, porque o Filho do Homem virá na hora em que menos pensardes (Mt 24, 44). João Paulo I estava sempre vigilante e a chamada do Senhor não o apanhou de surpresa. Respondeu-lhe com a mesma alegria e emoção com que havia aceitado a eleição à Sé de São Pedro no dia 26 de agosto.
Na plenitude da caridade
2. Hoje, passadas quatro semanas desde aquela audiência, pela primeira vez apresenta-se diante de vós João Paulo II, que deseja saudar-vos e falar-vos. Propomo-nos dar continuidade aos temas já iniciados por João Paulo I. Recordemos que ele havia falado das três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade, concluindo com a caridade. Esta virtude, que foi o seu último ensinamento, é aqui na terra a maior das virtudes, como nos ensina São Paulo (cfr. 1 Cor 13, 13); é a virtude que vai além da vida e da morte. Pois quando termina o tempo da fé e da esperança, o amor permanece. João Paulo I já passou pelo tempo da fé, da esperança e da caridade – que se manifestou tão magnificamente nesta terra e cuja plenitude só será revelada na eternidade.
O homem prudente
3. Cabe-nos hoje falar de outra virtude, porque vi nos apontamentos do falecido Pontífice que não tinha só a intenção de falar das três virtudes teologais, mas também das quatro virtudes chamadas cardeais. João Paulo I queria falar das “sete lâmpadas” da vida cristã, como as chamava o Papa João XXIII.
Pois bem, quero seguir hoje o programa traçado pelo Papa desaparecido e falar brevemente da virtude da prudência. Devemos profundo reconhecimento e gratidão aos antigos, que nos já nos disseram muitas coisas sobre essa virtude. Até certo ponto, ensinaram-nos que o valor de um homem deve ser medido pelo metro do bem moral quer realiza na sua vida.
Isto é precisamente o que situa no primeiro lugar a virtude da prudência. O homem prudente, que se esforça por realizar tudo aquilo que é verdadeiramente bom, esforça-se por medir tudo – toda situação e todo o seu agir – pelo metro do bem moral. Por isso, ao contrário do que freqüentemente se pensa, prudente não é aquele que sabe “virar-se bem” na vida e tirar dela o maior proveito, mas aquele que consegue edificar toda sua vida segundo a voz da consciência reta e as exigências da justa moral.
Assim, a prudência vem a ser a chave para a realização da tarefa fundamental que cada um de nós recebeu de Deus: a perfeição do próprio homem. Deus deu a cada um de nós a sua humanidade. É necessário que respondamos como se deve a essa tarefa.
O cristão prudente
4. O cristão, porém, tem o direito e o dever de contemplar a virtude da prudência também sob outra perspectiva. Esta virtude é no homem como que a imagem e a semelhança da providência do próprio Deus dentro das dimensões do homem concreto. Porque o homem – sabemo-lo pelo livro do Gênesis – foi criado à imagem e semelhança de Deus. E Deus realiza o seu plano na história da criação e, sobretudo, na história da humanidade.
O objetivo deste desígnio é o bem último do universo, como ensina São Tomás. E esse mesmo desígnio converte-se, no âmbito da história da humanidade, muito simplesmente no desígnio da salvação, que nos abarca a todos nós. No ponto central da sua realização, encontra-se Jesus Cristo, no qual se manifestaram o amor eterno e a solicitude do próprio Deus, do Pai, pela salvação do homem. Esta é ao mesmo tempo a manifestação plena da providência divina.
Por conseguinte, o homem, que é a imagem de Deus, deve ser – como novamente nos ensina São Tomás –, em certo sentido, a providência. Mas na medida da sua própria vida. O homem pode tomar parte nesta grande caminhada de todas as criaturas para o objetivo, que é o bem da criação. E, expressando-nos mais na linguagem da fé, o homem deve tomar parte neste desígnio divino da salvação, deve caminhar para a salvação, e ajudar os outros a salvar-se. Ajudando os outros, salva-se a si próprio.
Exame de consciência
5. Peço aos que me escutam que repensem agora a sua vida sob esta luz. Sou prudente? Vivo conseqüente e responsavelmente? O programa que cumpro da minha vida realiza o autêntico bem? Serve para a salvação que Cristo e a Igreja querem para nós? Se é um estudante ou uma estudante, um filho ou uma filha, quem hoje me escuta, que contemple a essa luz os seus deveres de estudo, as leituras, os interesses, as diversões, o ambiente dos amigos e das amigas. Se é um pai ou uma mãe de família quem me ouve, pense por um momento nos seus deveres conjugais e de pai ou mãe. Se é um ministro ou um estadista, olhe para o conjunto dos seus deveres e responsabilidades: busca o verdadeiro bem da sociedade, da nação, da humanidade, ou apenas interesses particulares e parciais? Se quem me escuta é um jornalista ou um publicitário, um homem que exerce influência sobre a opinião pública, reflita sobre o valor e a finalidade desta influência.
Pedir ao Espírito Santo o dom de conselho
6. Também eu que vos falo, eu, o Papa, o que devo fazer para atuar prudentemente? Vêm-me ao pensamento agora as cartas de Albino Luciani quando era patriarca de Veneza, a São Bernardo llustrissimi Signori (“Ilustríssimos Senhores”) de Albino Luciani, em que este escreve “cartas” a diversos personagens históricos e as suas “respostas” (N. do E.).>. Na sua resposta ao cardeal Luciani, o abade de Claraval, doutor da Igreja, recorda com muita ênfase que quem governa deve ser “prudente”. O que deve, pois, fazer o novo Papa para atuar prudentemente?Não há duvida de que deve fazer muito neste sentido. Deve aprender sempre e meditar incessantemente sobre os problemas. Mas, além disso, o que pode fazer? Deve orar e procurar obter do Espírito Santo o dom de conselho. E todos os que quiserem que o novo Papa seja um Pastor prudente da Igreja, implorem o dom de conselho para ele e também para si próprios, confiando na especial intercessão da Mãe do Bom Conselho. Porque devemos desejar que todos os homens se comportem prudentemente e que aqueles que detêm o poder atuem com verdadeira prudência. Para que a Igreja – prudentemente, fortalecendo-se com os dons do Espírito Santo, e em particular com o dom de conselho –, participe eficazmente deste grande caminho rumo ao bem de todos e mostre a cada um a via para a salvação eterna.
JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 25 de Outubro de 1978
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