Entrevista ao presidente da Associação Italiana de Psicólogos e Psiquiatras Católicos
Por Mirko Testa
ROMA, segunda-feira, 2 de março de 2009 (ZENIT.org).- A atual crise das relações interpessoais explica a fragilidade psíquica das pessoas neste momento, considera o presidente da Associação Italiana de Psicólogos e Psiquiatras Católicos.
O Dr. Tonino Cantelmi, na segunda parte desta entrevista com Zenit (cf. 1º de março de 2009), revela os cenários de depressão, mal-estar e angústia que com frequência abrem a porta ao satanismo, como resposta fácil e imediata à busca do sentido da vida.
– Na conversa anterior, falávamos das origens do delírio, mas há outro fenômeno que geralmente se mistura com o delírio, o transtorno da percepção...
– Cantelmi: Sim, e as percepções podem ser de diversos tipos: temos ilusões, alucinações, as pareidolias e as pseudoalucinações. As ilusões, que são erros compatíveis com o estado emocional do sujeito, pertencem à humanidade de nosso ser, não dão lugar a patologias. São as alucinações que dão lugar a patologias. Quando se trata de pareidolias, vejo uma mancha na parede e parece-me um animal, são pseudoalucinações. Muitos não falam de ouvir vozes, mas nós compreendemos porque, enquanto eu falo, parece que estão escutando outra coisa. Talvez a voz está lhe dizendo: «Pode confiar» ou «não confie».
Aqui nos encontramos diante de uma falsa percepção sensorial não associada a estímulos externos. Pode inclusive dar-se uma interpretação delirante da experiência alucinatória. Algumas alucinações que acompanham o sono se chamam hipnagógicas e se dão também em contextos normais. Podemos ter formas de alucinação quando dormimos ou nos despertamos, mas não são patológicas. As alucinações podem também ser de ordens: as mais frequentes são as auditivas; as visuais se dão sobretudo nos estados de excitação maníaca, na qual o sujeito vê e interage com divindades; as olfativas, as mais frequentes, estão ligadas à alucinações relativas ao odor de enxofre, e as táteis são muito interessantes e muito extensas: tem-se a sensação de que alguém ou algo, algum inseto, alguma realidade ou entidade tem a ver comigo. Especialmente se há uma estrutura de personalidade histérica, o mais frequente é a percepção de relações sexuais.
A esquizofrenia é uma patologia imensa. É o grande enigma da psiquiatria. Sobre a esquizofrenia temos muitíssimo conhecimento, mas não temos nem conhecimentos definitivos nem intervenções farmacológicas ou terapêuticas resolutivas. Há um grande número de pacientes esquizofrênicos com as formas mais estranhas, mais extravagantes, mais clamorosas, mais escondidas. A velha histeria se descompôs, pela atual nosografia, em vários grupos sintomáticos: Os transtornos somatoformes, o transtorno histriônico de personalidade, e a fuga psicógena.
Atualmente, assistimos a uma transformação dos transtornos da ansiedade para transtornos somatoformes, ou seja, sintomas físicos de todo tipo que não se incluem em patologias médicas de origem psicológica. Um exemplo é a cegueira histérica, quando alguém que não vê (e recupera a vista na noite de Páscoa), como aconteceu com uma paciente minha histérica. É um caso específico que acompanhei pessoalmente. A outro tipo de histeria chamamos transtorno de personalidade histriônica, em pessoas especialmente sugestivas, necessitadas de atenções e muito dependentes. Outros transtornos histéricos converteram-se na fuga psicógena: o sujeito de repente foge de casa e já não lembra nada, tem amnésia sobre o que fizeram; ou o sujeito esquece tudo o que lhe aconteceu sem um evento traumático.
Depois estão os transtornos de personalidade. Grande parte deles contaminam muitas das pessoas que vêm pedir ajuda. Todas as formas dissociativas, os transtornos de controle dos impulsos. Nossa sociedade, que é extremamente eficiente, hipercontrolada, vê o aumento do transtorno do controle dos impulsos. O sujeito perde o próprio controle de repente, em contextos impróprios. Torna-se agressivo, desarruma tudo, não consegue suportar a tensão e grita. Em geral, tem a ver com a área de agressividade, as formas de transdissociação. São sujeitos que enfrentam formas de suspensão da consciência segundo um fundamento dissociativo. Dá-se, por exemplo, em quem usa muito o computador.
Um quadro sobre o qual frequentemente os pais pedem iluminação é o da criança incontida, que nunca está quieta, que não escuta, que não controla os impulsos, é o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, um quadro de uma criança vivaz que pareceria ser presa de um espírito que a leva a fazer mil coisas. Os progenitores não conseguem contê-la. A criança na verdade tem um déficit de atenção, é tão veloz que não consegue manter a atenção um segundo no que lhe estou dizendo. Se entra em um supermercado, vira tudo de pernas para o ar porque se sente atraído por tudo com uma velocidade extraordinária.
Alguns que têm hiperatividade – que não se associa ao retardo mental – se converteram em verdadeiros gênios, como o caso de Mozart. A sociedade atual assiste a um aumento do número de crianças hiperativas, incontroláveis, como se tivessem uma mola que salta de repente. Também, enquanto antes nos impressionava o abuso de um adulto sobre uma criança, hoje estamos impressionados pelos abusos das crianças para com as crianças, um fenômeno muito significativo.
– Em que se baseia a fragilidade do homem atual?
– Cantelmi: Há raízes que um psiquiatra nota e que estão na base desta nova fragilidade de nosso tempo, ligada sobretudo à crise das relações interpessoais. O terceiro milênio se caracteriza por uma relação «tecno-mediatizada». Hoje não há nada mais difícil, mais complexo, mais incompreensível que uma relação interpessoal estável e duradoura. Teoriza-se, por exemplo, sobre a «polifidelidade», ou seja, a impossibilidade de ser fiéis a uma só pessoa.
«Be happy», um site de psiquiatria cosmética, dirige-se às mulheres e afirma que a ideia romântica de um homem durante a vida toda é uma ideia hoje impossível; se são românticas, podem ser então «polifiéis», fiéis a vários homens. Portanto, fiel a seu marido enquanto mãe, fiel a seu chefe enquanto mulher de carreira, fiel a seu amante mais jovem que você, enquanto mulher transgressora.
Não só é impossível que você, na plenitude de si mesmo, possa dar-se a outra pessoa, mas também é impossível que possa dar-se a outra pessoa por longo tempo. Teoriza-se assim a monogamia intermitente: fiel sim, mas por pouco tempo. A «polifidelidade» e a monogamia intermitente são só dois exemplos de como hoje se considera a dimensão afetiva frágil.
As raízes desta crise podem ser encontradas na busca exasperada de emoções: estou bem com você porque experimento emoções intensas; não sinto nada por você e por isso busco novas emoções. A relação interpessoal se converte, portanto, em algo imediato, não tem passado nem futuro. Isso explica a busca de comportamentos compulsivos, de dependências comportamentais, o uso da cocaína, etc.
Há na internet um vídeo que reúne tudo isso: a busca exasperada de emoções mediante a cocaína, através da transgressão, da impossibilidade de entrar em relação com outro, a solidão, a ambiguidade e o narcisismo. Este vídeo não comercial diz exatamente, ainda que em modo extremo, para onde vamos. Quem o pôs na rede foi Marylin Manson com uma série de pequenos sinais satânicos, transgressores a seu modo. Vê-se um homem sozinho, desesperado, que busca contatos, este homem cortou o coração (o «cutting» é um sinal satânico), é um homem ambíguo, nem homem nem mulher, andrógeno; profanou a Bíblia, colocando cocaína sobre ela. Graças a este pouco de cocaína, entra em uma relação sexual de tipo impessoal, na qual não há já pessoas, mas só pedaços de carne. O que aparece é um mundo feito de tudo, onde o outro é uma ocasião para masturbar-se; é o homem que se está fechando ainda mais em si mesmo e acaba morrendo em uma espécie de suicídio.
A outra raiz da fragilidade é a ambiguidade, a renúncia ao próprio papel. O tema da ambiguidade faz saltar pelos ares a responsabilidade, o papel do casal. Hoje tudo é fluido, não há masculino e feminino.
Por último, a outra grande raiz é o desenvolvimento do narcisismo. O homem de hoje sofre, está em crise por sua incapacidade de relação com o outro e se dirige a um mundo feito de tristezas, depressão, compulsões e transtornos da personalidade. A tecnologia promete a salvação fazendo compreender que todos estes problemas podem ser resolvidos, renunciando à relação face a face, e propondo-lhe um mundo virtual, cheio de emoções, narcisismo, ambiguidade e máscaras.
Fonte: Zenit
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