Entrevista com o médico e ginecologista Carlos Alberto Gómez Fajardo
Por Carmen Elena Villa (ZENIT.org)
A defesa da vida, os traumas posteriores ao aborto e a objeção de consciência são alguns dos temas que foram analisados no Primeiro Congresso Internacional sobre a defesa da vida: “O estado de indefensibilidade do ser humano hoje”.
O evento foi realizado nos dias 1º e 2 de agosto, na Universidade Pontifícia Bolivariana de Medelhim, Colômbia. Contou com o apoio, entre outros, de A.B.C. Prodein e seus Centros de Ajuda para a Mulher, Vida Humana Internacional, dos Estados Unidos, Centro de Ajuda para a Mulher, do México, e Projeto Esperança, do Chile.
Zenit entrevistou um dos palestrantes deste evento, Carlos Alberto Gómez Fajardo, médico ginecologista, especialista em bioética pela Universidade da Sabana de Bogotá, colunista do jornalEl Mundo de Medelhim.
– Como a visão sobre o aborto se modificou na América Latina, visto que há pouco tempo era tido como um crime e agora é um direito?
– Carlos Alberto Gómez Fajardo: Talvez, por extensão, algumas das realidades sociológicas que vivemos aqui possam ser equiparadas com as de países vizinhos, cuja origem histórica é tão profundamente compartilhada.
Há uma “liberalização da mentalidade no tema do aborto. É como se fosse “politicamente correto” referir-se ao tema da descriminalização como um avanço, como uma posta em dia de uma idealizada globalização. Creio que a poderosa maré de uma ideologia “progressista” deixou sua marca, ao menos nos aspectos legislativos.
Esta “liberalização” da opinião também pode ser entendida como um sintoma da perda de referência dos padrões racionais e antropológicos. Pretendeu-se enfraquecer e relativizar conceitos como o da família tradicional e os meios empenhados em servir à causa “progressista” não esquivam nenhuma ocasião para fazer objeto de crítica e ainda de brincadeira com os valores e modos de viver e de educar que são estigmatizados como “tradicionais”. Pretendeu-se colocar em um nível de igualdade os conceitos do tradicional com o de hipócrita ou pacato. De modo ingênuo, muitas pessoas acolhem estas posturas “light”, pois assim se evitam situações de confronto de ideias e convicções. Estende-se o modo comum de confundir o frequente com o normal. Em minha opinião, estende-se um modo inautêntico do confronto das realidades. Nisso têm muita responsabilidade os meios massivos de comunicação.
– O que um profissional da saúde deve fazer quando entra em conflito o dever de cumprir seu papel na instituição onde trabalha e o que sua consciência lhe diz?
– Carlos Alberto Gómez Fajardo: Os médicos e enfermeiros devem manter-se muito bem formados e informados sobre os fins das próprias profissões. Devem trabalhar no processo da formação da consciência própria e dos estudantes destas disciplinas. Devem manifestar aos seus superiores hierárquicos suas convicções a favor de uma prática clínica que respeite os fundamentos hipocráticos.
O aborto, a eutanásia, a manipulação indevida dos enfermos em situações de dificuldade existencial, não constituem atos propriamente médicos. São atos contrários à essência antropológico-racional destas profissões. Neste sentido, há uma colossal tarefa educativa diante de nós, pois precisamente há vários anos se pretendeu aniquilar a vigência da ética hipocrática. Alguns a consideram “superada”.
– Como o senhor vê na América Latina a discriminação daqueles profissionais da saúde que se negam a praticar abortos?
– Carlos Alberto Gómez Fajardo: Com muita preocupação. Significa que os aspectos repressivos de uma ideologia reinante (a ideologia de gênero) já se converteu em ferramenta operativa dos anônimos funcionários que desempenham cargos de poder no âmbito da saúde e do judiciário.
Isso recorda a história de mecanismos de imposição brutal e policial da vontade de algumas autoridades que se escondem atrás da norma jurídica para sair com seu operativo de imposição de uma “mentalidade única”. É necessário analisar criticamente o tema dos mecanismos de “controle de qualidade” que operam no ministério do ramo e que exigem “rapidez e garantia no serviço”. Sob estas figuras se exerce um implacável sistema de treinamento a instituições e pessoal operacional. Ditam-lhes as normas e eles são obrigados a cumpri-las.
Algo comparável está acontecendo com as políticas de eugenia que funcionam na comunidade europeia, como pode ver-se noEurocat Working Group, no que se refere a registro de diagnóstico pré-natal de más formações congênitas.
Por outro lado, no campo da educação universitária há desafios antes difíceis de conceber. Já há acadêmicos que concebem o ensino e prática de feticídios como requisito para a formação “idônea” do especialista em gineco-obstetrícia”.
– Como a negação da objeção de consciência facilita a promulgação das leis contra a vida?
– Carlos Alberto Gómez Fajardo: Quando se nega a objeção de consciência, vulnera-se o sentido da democracia. A normatividade do aborto e da eugenia – notável paradoxo – é quase sempre defendida por setores e ativistas políticos que se apresentam como verdadeiros paradigmas de liberdade e de democracia. Para muitos deles se recorre insistentemente ao conceito “respeito”. Costumam evitar o enfrentamento racional do tema da democracia como respeito a todos e evitam o confronto do fato da autonomia teleológica ou estatuto do embrião humano. Para isso, recorrem aos conhecidos critérios da comissão Warnock ou de ideólogos como Peter Singer, que estimam que a condição humana do feto (e do neonato) é algo que se adquire com o tempo.
Com estes precedentes, pode-se correr o risco de que estes sistemas judiciais positivistas se estendam e cheguem a extremos muito preocupantes, como no tema da eutanásia e da pena de morte.
– Não é uma contradição que em uma sociedade cada vez mais relativista, onde tudo está permitido, se julgue justamente o objetor de consciência?
– Carlos Alberto Gómez Fajardo: Claro; no relativismo há grandes contradições. “Tolera-se tudo”, mas não se tolera que as pessoas defendam convicções como a da igualdade fundamental que existe entre todos os seres humanos, sem discriminação. Com efeito, como alguns assinalaram com muita precisão, atravessamos épocas de ditadura de um relativismo ético que pretende impor como “justo” o que apenas é um modo comum de interpretar erroneamente a realidade.
O pensador colombiano Nicolás Gómez Dávila o mencionou em alguns de seus escritos:
“Porque as opiniões mudam, o relativista acha que as verdades mudam”;
“Costuma-se pregar direitos para poder violar deveres”, e
“A tolerância ilimitada não é mais que uma maneira hipócrita de renunciar”.
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