Segunda feira, jantar fora. Terça feira, jantar fora. Quarta feira, jantar fora. Fim de semana, estar com os amigos! Sair e divertir-me. Enfim, uma vida cheia e da qual não nos podemos queixar. Mas a vida poderia ser bem diferente. Poderíamos não poder sair de casa, poderíamos, num caso extremo, não poder sair do nossa própria mente. Foi o que aconteceu a Rom Houben, como foi recentemente noticiado(ver no Público e na Zenit). Ficou 23 anos a habitar dentro do seu próprio “dentro”. Os médicos julgavam que estava em coma mas “apesar de completamente imóvel, Rom conseguia ouvir tudo o que lhe diziam. Ouvia os médicos falarem do seu estado de saúde e ouviu a mãe comunicar-lhe a morte do pai. Ouviu tudo isto sem poder chorar nem mexer a cabeça. Estava consciente e com um cérebro a funcionar, mas nunca conseguiu que o seu corpo comunicasse esse facto.”
O que impressiona não é este facto em si, porque, biologicamente tudo isto não deve causar admiração. O que, na verdade, causa admiração é que humanamente se possa viver assim. Viver com letra grande, viver com a dignidade que a vida em si mesma comporta. Recebida e não conquistada.
São elucidativas as frases que este homem, através de um sistema agora preparado para ele, finalmente fez passar para o mundo exterior. Cito:
1. “Impotente. Extremamente impotente. Inicialmente fiquei revoltado, mas depois aprendi a viver com isso”
2. “Viajei com os meus pensamentos para o passado, ou então para uma nova existência. Eu era apenas a minha consciência, e nada mais”
3. “Eu gritava sem que ninguém pudesse escutar”
4. “Fui testemunha do meu sofrimento enquanto os meus médicos tentavam falar comigo, até o dia em que renunciaram”
5. “Nunca esquecerei o dia em que me ‘descobriram’. Foi o meu segundo nascimento”
6. “agora quero ler, falar com meus amigos por meio do computador e aproveitar minha vida, agora as pessoas sabem que não estou morto”
Estas afirmações de Rom levam-me a concluir e a acreditar cada vez mais que é por dentro que encontramos o fundamento da vida. Não é numa escala de divertimentos e de condições materiais que a felicidade ou, se quisermos, a fecundidade humana se encontra. É preciso bem pouco. Basta a liberdade do olhar profundo de uma vida interior que a nossa sociedade deveria cultivar, mas que, talvez pela fragilidade dessa mesma liberdade, tantas vezes despreza.
A experiência de Rom diz-me, também, que na era da comunicação corremos, afinal, o risco de sempre. O de incomunicabilidade. Digo isto não pela “clausura” forçada deste homem, mas porque, tantas vezes, faltam as forças para acreditar que a comunicação existe e que, tal como Deus, é bem mais subtil do que os panegíricos e os flashes ultravelozes de uma banda-larga que, afinal pode ser bem estreita se não cuidarmos do nosso mundo interior e daquilo que nos constituí como humanidade viva, divina, e cheia de esperança.
Porque desistiríamos tão depressa da comunicação e do diálogo, só porque, a dada altura, nos pareceu que já não valia a pena? Porque subestimaríamos a vida? Não o faremos! Porque não somos condenados, mas homens livres. Desistir do homem seria a antítese da vocação humana.
É nos homens vivos que descobrimos o grande mistério da vida, essa comunicação inesgotável que só o amor pode criar, que brota de dentro de nós continuamente e que não tem outro desejo se não brotar. E aí sim, os jantares à semana, a noite de sábado, e quem sabe as viagens todas que poderei fazer no verão ganharão um sentido cem vezes superiror… ou então esse sentido estará todo no curto espaço dos dedos que ainda consigo mover ou da minha cadeira de rodas. Já não importa pois não? O que nos poderá faltar? Se, afinal, por dentro dos homens é que os homens são.
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