Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte - MG
A quantidade e complexidade de leis que regem a sociedade brasileira podem ser indicativas do desejo e procura da moralidade. Um valor que precisa e deve ser edificado no recôndito da consciência moral de cada pessoa.
A sociedade se sustenta também da vida moral de seus cidadãos. E as raízes dessa vida estão na subjetividade de cada pessoa. Esse núcleo recôndito da personalidade de cada um tem força determinante nos rumos da sociedade. Vale a lembrança, segundo narra o evangelista Mateus no capítulo 23, daquela advertência que Jesus Mestre faz aos seus discípulos referindo-se aos escribas e fariseus. Jesus disse: “Os escribas e fariseus sentaram-se no lugar de Moisés para ensinar. Portanto, tudo o que eles vos disserem fazei e observai, mas não imiteis suas ações. Pois eles falam e não praticam. Amarram fardos pesados e insuportáveis e os põem nos ombros dos outros, mas eles mesmos não querem movê-los, nem sequer com um dedo.”
Falar não basta. Legislar não é suficiente. É indispensável cultivar uma ilibada vida moral, não só em função de méritos pessoais, mas como contribuição decisiva e determinante nos rumos da sociedade. No mistério e na dignidade de toda pessoa humana está uma fonte indispensável para se alcançar equilíbrio na sociedade e na configuração de sua cultura, marcada pelo sentido de respeito à vida e a convicção sobre o que a cidadania exige de cada um.
A cidadania não é uma opção como a que se faz por um time esportivo, que se pode renunciar, trocar, nutrir revoltas ou localizar-se na indiferença. A cidadania depende visceralmente da condição moral de cada sujeito. Seu comprometimento é pela vida na sociedade. Ora, a pessoa não pode ser entendida de maneira redutiva, unicamente como uma individualidade, edificada por si mesma ou sobre si mesma. Também não pode ser entendida apenas como um papel funcional dentro de um sistema. Cada pessoa está integrada numa teia de relações. Estas relações não são uma simples e maquinal inserção no conjunto material, embora sejam luar de sua realização e da sua liberdade. Há, pois, uma característica de toda pessoa que é sua abertura à transcendência. Trata-se de uma abertura ao infinito e a todos os seres criados. É uma abertura a Deus e aos outros.
Associado a este entendimento está a dimensão única de cada pessoa. Esta singularidade remete ao seu núcleo constitutivo central, sua subjetividade, como centro de consciência e de liberdade. Esta singularidade pressupõe de todas as instituições um irrestrito respeito. E também um compromisso de ordem moral com a nucleação de princípios e valores que definem sua vida moral.
Cada pessoa pode configurar sua cidadania, nos balizamentos próprios de sua cultura e de seu contexto social e político, contribuindo com uma vida moral sustentadora da indispensável sociabilidade humana. Ao se compreender a pessoa como um ser social está se referindo à sua subjetividade relacional. Isso significa dizer que a consciência é iluminada pela compreensão que abarca a vivência de um ser livre e responsável, capaz de reconhecer e praticar a necessidade de integrar-se e colaborar com os próprios semelhantes. Isto é, tem uma vida moral que o capacita para a comunhão com os outros na ordem do conhecimento e do amor.
O Catecismo da Igreja Católica define esta sociedade como “um conjunto de pessoas ligadas de maneira orgânica por um princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembleia ao mesmo tempo visível e espiritual, uma sociedade que perdura no tempo; ela recolhe o passado e prepara o futuro.”
A vida comunitária se torna, então, uma característica própria na formação da sociedade. O agir social não é uma arbitrariedade ou a simples satisfação impulsiva dos próprios desejos, gerando manipulações ou cegando para o sentido de respeito e apreço pela dignidade do outro. Chamada à vida social, a pessoa humana constitui a sua cidadania nos alicerces da sua vida moral. Comprometida, a vida moral consequentemente compromete a cidadania. São inevitáveis os prejuízos danosos para a sociedade. Sem investimento e cultivo da vida moral, a sociedade claudica.
É verdade que a sociabilidade humana indispensável para a construção de uma sociedade justa e solidária não desemboca, por si só, na comunhão das pessoas. Isto quando a vida moral está envenenada pela soberba, egoísmo, pelos fechamentos individualistas e a nefasta opressão do outro. A vida moral de cada cidadão dá à sociedade um rumo adequado, com mais justiça e solidariedade.
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