Caro Internauta, quem estuda filosofia conhece Giovanni Reale, ilustre filósofo italiano. Eis a entrevista que ele concedeu a Gabriella Mecucci sobre os ataques ao Papa. Interessante como um homem profundo se coloca no alto e vê as coisas de uma altura e amplitude que estão bem acima dos estreitos horizontes da maioria das pessoas...
“O Papa está disponível para encontrar as vítimas dos padres pedófilos e a Santa Sé está pronta para colaborar com a justiça”. Continua a política de abertura da Igreja em relação ao escândalo sobre a pedofilia. É o que repetiu o Pe. Frederico Lombardi, porta-voz do Vaticano, num comentário na Rádio Vaticano sobre a questão dos abusos sexuais cometidos por religiosos.
Um tema espinhoso que está colocando à dura prova a Igreja e sobre o qual pedimos a opinião do filósofo católico Giovanni Reale. Reale é considerado também um grande sábio e se recorre a ele frequentemente para compreender melhor a situação vivida pelo cristianismo contemporâneo e os acontecimentos lacerantes que atingem a Igreja e, de modo particular, o pontificado de Bento XVI. Hoje está no meio de uma tempestade por um grande escândalo, mas sobretudo pelo uso que se faz do mesmo. Segundo Reale a pedofilia é apenas um pretexto para atacar o Papa. Há uma tentativa de alcunhar todos os católicos com a etiqueta de pedófilos. Mas é apenas uma tentativa. Terminada esta se encontrará uma outra...
Professor, a cada dia jogam-se avalanches de acusações sobre a Cátedra de Pedro. Começaram pela imprensa norte-americana, mas depois apareceram um pouco em toda parte. O que está acontecendo?
Isto que está ocorrendo não me espanta nem um pouco. Além do mais profetizou o próprio Jesus Cristo. Ele disse: Como perseguiram a mim, perseguirão também a vós, porque o mundo vos odeia, pois não amais aquilo que é seu. O Papa, como testemunha de Cristo sobre a terra continua a dizer coisas que são intrínseca e estruturalmente contrárias pela própria natureza àquilo que o mundo ama. Portanto, a razão dos ataques é teológica e muito profunda. E quem explicou isto não foi um qualquer, mas o próprio Cristo. Por outro lado, recordam o que aconteceu ao predecessor deste Pontífice? Não tentaram matá-lo?
Professor, mas este ataque parte de motivos contingentes!
Veja: para compreender as razões de fundo do que está acontecendo não creio que seja necessário olhar muito o contingente. Pensar neste acontecimento atual, nesta situação atual, é muito redutivo. É o mundo que ama somente a si próprio e que odeia quem o coloca em discussão que se choca com quem o critica radicalmente. Quanto está acontecendo não é outra coisa que aquilo que Cristo prenunciou de modo profético e esplêndido.
Mas há um motivo específico que explique esta feroz polêmica contra Bento XVI?
Este Papa dispõe de um enorme saber teológico e filosófico. Possui uma grande sensibilidade artística. Em resumo, é um dos papas mais dotados cultural, espiritual e artisticamente que a Igreja já teve. Por anos, na função que ocupou demonstrou estas características. Consequentemente, [e um homem perigoso aos olhos e ouvidos dos adversários. Quem odeia o cristianismo tolera melhor um cristão ignorante, mas não suporta a profundidade cultural do cristão. Este Papa representa exatamente aquilo que eles não conseguem suportar! O primeiro a estar firmemente convencido das extraordinárias qualidades de Ratzinger era João Paulo II. Se quiser, eu lhe conto um fato...
Por favor!
Numa noite, eu estava jantando com o Papa Wojtyla e lhe disse que a Fides et Ratio era uma encíclica extraordinária e que continha duas ideias muito importantes. Primeira idéia: a fé é metacultural, isto é, não pode ser aprisionada por nenhuma cultura nem por nenhuma filosofia. Segunda ideia: a Igreja não canoniza nenhuma filosofia, de modo que São Tomás não é a única filosofia da Igreja.
Enquanto exprimia meu louvor por estas duas inovações, João Paulo II respondeu-me que eram devidas ao seus excelentes colaboradores e me fez compreender que queria referir-se a Ratzinger, que exatamente nos anos precedentes tinha escrito: basta com a neoescolástica tomada como modelo único e irreversível de filosofia. Luigi Pareyson dizia: quando um filósofo apresenta Deus, mesmo no modo mais inteligente e refinado, como o explica? Através de categorias humanas.
Trata-se de um modo de antropomorfismo, mesmo que de modo sublime. Portanto, não é Deus como é, mas Deus como ele pensa. Deus não é aquilo que você compreendeu – diria Santo Agostinho –: é outra coisa. Dizer que a Igreja não canoniza filosofia alguma significa dar um passo gigante, levando a altura extraordinária a fé que se torna metacultural e metafilosófica. Não é contrária à razão, mas além da razão. Em suma, Ratzinger afirma que a palavra de Cristo vale mais que a palavra de qualquer homem, por grande que seja!
Em síntese: o senhor sustenta que Ratzinger é atacado porque é grandíssimo Papa e porque traz consigo importantes inovações?
As ideias que expus são revolucionárias. Se a fé não é contra a razão, mas acima da razão, se a palavra de Cristo vale mais que aquela de qualquer outro homem, eu não me identifico com nenhuma filosofia e, portanto, posso favorecer a circulação de todas, confrontando-me com todas. Quem tem este tipo de fé é infinitamente mais livre que qualquer outro, muito mais que um laicista que pode ser mais próximo de uma teoria que de outra. E isto, repito, é revolucionário. Mas, não é só a grandeza deste Papa.
Vamos adiante na análise do pensamento de Ratzinger...
Este Papa na sua primeira encíclia falou do eros. O eros – neste seu escrito – foi recuperado no interior do ágape, o amor divino e, se isto acontece, enriquece enormemente o homem. O eros não vai bem quando nega o ágape cristão. Já o amor divino não nega o amor humano, mas o inclui.
Na primeira encíclica o Papa – e esta é a terceira grandeza – diz explicitamente que o cristianismo não é encontro com uma ideia, mas com uma Pessoa. Enfim, desde que é Papa, Ratzinger como que contraído a sua figura de intelectual teólogo e alargado infinitamente aquela de pastor. Perguntava-se: tão intelectual, distante das pessoas comuns, como conseguirá fazer-se entender? E, contudo, teve um grande sucesso, sobretudo entre os jovens. Soube fazer-se compreender. O pensamento teológico e filosófico do Papa é um pensamento forte e aberto. E isto é considerado muito perigoso pelos seus adversários. A abertura não significa acabar com tudo. É forte porque mantém bem firmes alguns princípios e ao mesmo tempo porque realiza o máximo de abertura ao homem de hoje. E Ratzinger faz tudo isto com a fé que tem, a inteligência que tem, a cultura que tem!
A dureza deste ataque faz temer pelo futuro da Igreja?
A Igreja será sempre atacada e terá sempre mares tempestuosos para atravessar. Os outros não têm a força cultual da Igreja: mudam demasiadamente rápido pensamentos e modas. Além do mais, Cristo disse que jamais abandonará a Igreja. Perigos existirão, certamente, mas quem crê sabe que Cristo prometeu: Eu estarei sempre convosco até o fim do mundo. Naturalmente, eu distingo a Igreja da Cúria. Os erros são da Cúria, não da Igreja.
Desculpe-me, mas o senhor não usou ainda a palavra pedofilia, que é a razão pela qual começou esta polêmica...
É um pretexto para atacar o Papa. Aproveitaram isto e creio que continuarão a aproveitar. Encontrarão outros motivos. A pedofilia é um assunto bem escolhido porque fere muito e o escândalo – isto é inegável – é grande. A tentativa que estão fazendo é de afirmar que são todos pedófilos. Mas não é assim. E Ratzinger moveu-se muito bem, com força e abertura.
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