por Christiane Forcinito
03/12/2008
Este tema tem os primórdios desde o século XIII, passando pelo Iluminismo, entrando no século XIX (com o auge da ciência, explicando toda a realidade) e chegando até os dias de hoje. Muitos filósofos tentaram de alguma forma separar ambas as esferas como uma espécie de busca pela autonomia e liberdade. O que desejo mostrar aqui é que a fé e a razão podem andar juntas sem nenhuma contradição, assim como escreveu o Papa João Paulo II na Encíclica “Fides et ratio” de 1998: “A fé e a razão constitui como que duas asas pelos qual o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.
Os posicionamentos de Pascal podem até tumultuar o raciocínio e a busca de identidade do homem contemporâneo, pois ele traz questões ontológicas que obrigam o homem a agir de forma coerente e firme. Ele viveu numa época em que havia uma valorização da Geometria e sua lógica, porém Pascal partiu para discutir questões mais existenciais. Hoje também podemos perceber que não vivemos em um mundo muito diferente.
Vivemos em um mundo onde impera a corrente chamada relativismo, a qual nega toda a verdade e a ética absoluta, ficando a critério de cada um seguir a “sua verdade”, isto é um subjetivismo onde o que interessa é o eu e suas ações, o que, a priori, “aparenta” liberdade e autonomia, mas uma análise mais profunda nos leva a concluir que as decisões refletem não outra coisa senão a ação da “maioria”.
O filósofo naquela época já afirmava que o homem é feito para o divino, pois o homem possui uma insuficiência, isto é, ele é ontologicamente dependente do Criador. Esta insuficiência representa a idéia da natureza “decaída” pelo homem através do pecado original. Este (homem) rompeu com o primeiro plano do criador resultando na impotência deste em dar conta de se conhecer se não tiver atento a uma voz superior, pois ele está desarmonizado, há uma disjunção que se manifesta em forma de contradição.
Hoje não estamos muito diferentes. Todos querem ter um rumo e o homem aspira naturalmente à verdade, porém não compreende a lógica do sofrimento, tem medo do comprometimento seja ele político, profissional, pessoal, social, filosófico ou mesmo religioso. Hoje alguém procura uma religião por uma “necessidade psicológica”, ou parte logo para uma prática ateísta achando que um dia a ciência vai explicar tudo (materialismo promissório). Outros, porém, concebem a tese de que não há evidência da existência ou não de Deus. Há os que afirmam que Deus não existe. Ainda há aqueles que ceticamente suspendem seus juízos. E por último, podemos distinguir ainda aqueles que acreditam que Deus é tudo e desabam num panteísmo sem fronteiras, não se comprometendo com nada e com tudo, isto é, jogando de tudo (que não conseguem explicar) um pouco dentro do balaio e verificando o que lhe cabem ou o que é “melhor”.
Logicamente esta visão que diz a fé ser contraditória à razão já vem de um histórico mal compreendido, isto é, quando não se estuda a fundo a questão de Deus, quando não se consegue compreender a lógica do sofrimento - é ou não compatível com a infinita bondade de Deus - isto resulta em um preconceito; pichando a imagem de um Deus que tira a liberdade do homem (quando na verdade os liberta), interpretando fatos históricos de modo oblíquo.
Outra grande questão que também é associada a essa aparente contradição consiste em confundirem fé com crendice. São coisas totalmente diferentes, isto é, a fé é a investigação movida pela inteligência e a crendice é apenas um senso religioso inato no homem, mas desligado da razão. A ciência/razão não abala a fé. A razão quando bem conduzida leva à fé, pois a verdade não se limita a que a razão humana limitada alcança!
Nietzsche, ferozmente e ressentidamente, dizia que a fé é não querer saber o que é a verdade. Kant, embora não tenha posto em dúvida o valor objetivo da fé, quando responde a pergunta o que é “Aufklärung”, erroneamente diz que a menoridade em coisas da religião é danosa e humilhante.
Outros filósofos também tentaram de alguma forma formular a questão da identidade do homem dissociando a fé da razão. Entre eles estão também Feuerbach afirmando que Deus foi inventado pelo homem devido ao medo, e que este o leva ao fanatismo e ao erro; Marx, por sua vez é feroz quando diz que o homem gosta de se iludir e por isso Deus foi criado. Comte, com seu positivismo, separa ambas as esferas dizendo que o homem positivo ultrapassa o homem religioso e que, por sua vez, este se encontra na “infância”.
Pascal defende que o homem deve estar aberto a Deus, e se atrelando a Este se torna preenchido, ou seja, esta “dependência” não é algo negativo, pois abre o homem à “graça”, ao sobrenatural e também representa a idéia de natureza (carne e espírito) se harmonizando, como no princípio teria sido. O contrário implica na queda e isso sim é negativo, pois o homem no pecado (sem a “graça”) perdeu a capacidade de fazer o bem deixando a solta a sua inclinação a fazer apenas o mal.
Atualmente, sem querer generalizar, percebe-se que o “homem” se “coisificou” quando deixou de ser filho do Criador para ser apenas mais uma espécie animal. Toda identidade está comprometida resultando num “descompromisso” engendrado no conceito que o próprio homem tem de si. Enquanto ele fica a procura de sua identidade no mundo, nas coisas e nas pessoas acaba se esquecendo que seu dia a dia tem valor redentor e santificante e que conhecendo a Deus para conhecer a si mesmo nasceu para amar e ser amado.
Concluo este artigo com as palavras que próprio Pascal:
“Os homens desprezam a religião; odeiam-na e temem que seja verdadeira. Para acalmá-los, é preciso começar mostrando que a religião não é contrária à razão; que é digna de veneração e respeito; em seguida, torná-la amável, fazer com que os bons desejem que seja verdadeira, digna de veneração, pois conhece exatamente o homem; amável porque promete o verdadeiro bem.”
( PASCAL, Pensieri, br.187 apud MONDIN,Battista. Quem é Deus? p.48.)
Fonte: Pastoralis
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