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Entrevista sobre Chesterton

Em 14 de junho, a edição italiana do L’Osservatore Romano, publicou uma entrevista de Paolo Pegoraro com Ian Boyd, fundador e diretor da Chesterton Review. Segue a tradução abaixo. À produção menos conhecida de Gilbert Keith Chesterton pertence A Ressurreição de Roma (The Resurrection of Rome, não traduzido para o português) – embora redescoberta nos anos recentes – quase um diário de viagem do escritor inglês na capital italiana. Parafraseando o título se pode dizer que este sábado, em Roma, será a “ressurreição de Chesterton”. O mérito deste portentoso evento deve ser atribuído sobretudo a “La Civiltà Cattolica”, a revista dos jesuítas que hospedará um congresso internacional sobre o criador do Padre Brown (personagem dos romances policiais de Chesterton), o primeiro deste nível na Itália, dedicado ao conhecido escritor. Convidado de honra será Padre Ian Boyd, sacerdote da congregação de São Basílio, perito em Chesterton, fundador e diretor da “Chesterton Review” além de Presidente do Chesterton Institute for Faith & Culture da Universidade de Seton Hall em New Jersey que, juntamente com a “La Civiltà Cattolica” e com a Bomba Carta, organizou a manifestação. Nós o encontramos em seu desembarque em Roma e nos declara imediatamente ser um tanto levado a descobrir porque hoje na Itália Chesterton seja pouco conhecido.
“Parece-me que as notícias relativas ao esquecimento de Chesterton são exageradas. Nos Estados Unidos existe recentemente uma grande redescoberta de Chesterton: muitos livros seus estão sendo reeditados e os congressos reúnem centenas de pessoas a cada ano. Faz poucos anos o presidente Bush, na sua visita à China, citou uma famosa definição que Chesterton fez da América: ‘uma nação com a alma de uma Igreja’. Mas também na Europa eu diria que acontece o mesmo fenômeno: o nosso instituto realizou conferências em toda a Europa – em lugares diversos como Irlanda, Inglaterra, Lituânia e Croácia – que tiveram enorme sucesso. Além disso, deve-se dizer que a Europa enfrenta hoje graves desafios éticos e culturais e faria bem em considerar Chesterton como guia nestas dificuldades. Direi ainda que um bom indicativo da força de uma cultura se encontra na medida de sua capacidade de responder a uma provocação, ao mesmo tempo sábia e imaginativa, como aquela oferecida por Chesterton”. Em que sentido Chesterton pode ser considerado um profeta dos nossos dias?
Ele foi um profeta pela simples razão de que tudo que escreveu se concretizou. Aqueles coisas que aos seus contemporâneos pareciam fantasias, nos parecem hoje como a descrição do mundo atual. Por exemplo, no seu jornal, o G. K.’s Weekly, em 19 de junho de 1926 ele escreve que “a próxima grande heresia será um ataque à moral, e em particular à moral sexual (...) A loucura de amanhã não está em Moscou, mas sobretudo em Manhattan”. Ainda antes, em 1905, havia escrito no Daily News: “Antes que a idéia liberal morra ou triunfe, nós veremos guerras e perseguições tais que o mundo jamais viu”. Como escreveu Alan Lawson Maycock na antologia dos escritos de Chesterton (intitulada The Man Who Was Orthodox), de sua responsabilidade, ele (Chesterton) possuía “aquele raro poder de intuição que em literatura é chamado o dom da sabedoria”.
O que há de vivo, hoje, nas obras e na mensagem de GKC?
A obra de Chesterton é de certo modo compacta e é pois muito difícil separar os vários componentes. Em geral ele ofereceu uma visão “sacramental” do mundo, uma idéia do divino que é mediada através das coisas materiais. Neste sentido ele tem muitas coisas importantes a dizer sobre economia, família; realidade que ele considera essencial para o crescimento do homem e da sociedade. Ele era a favor do pequeno empreendimento, da distribuição da riqueza e nutria um intenso interesse pelos assuntos relativos às realidades locais, destacando a importância da adesão ao próprio lugar de origem. Chesterton lutou com paixão a favor da casa e da família. Mas estas são apenas duas entre tantas coisas que ele tinha a dizer.
Qual foi a relação de Chesterton com a razão? A razão é algo a defender e a revalorizar ou é um laço sufocante para o homem?
A melhor resposta a esta pergunta, penso que se encontra no primeiro episódio das estórias do Padre Brown, A Cruz Azul. Nesta estória, Padre Brown chega a identificar o conhecido ladrão francês, Flambeau, disfarçado de padre, porque este último ataca o uso da razão e isto é, diz Padre Brown, péssima teologia (nos dias de hoje, a péssima teologia do ladrão disfarçado de padre, só reforçaria a eficácia de seu disfarce!!!). Por outro lado, Chesterton insistiu com freqüência sobre os limites não tanto da razão quanto do racionalismo. O primeiro valor da lógica, disse uma vez, é ser uma arma com a qual derrotar os lógicos. O ponto que está realmente no coração de Chesterton é que, segundo ele, o homem deveria combinar razão e imaginação. O pensador construtivo é como Neemias que defende os muros de Jerusalém com uma pá de pedreiro em uma mão e a espada na outra (Neemias 4, 1-12): a pá representa a imaginação, o poder construtivo; a espada é a razão, o instrumento defensivo. Tudo é bem resumido no conselho que ele dá ao jovem rapaz ao qual presenteou com um livro ilustrado: “Assim recorda-te do teu livro, meu jovenzinho, / e escuta as palavras e as críticas dos intelectuais. / Mas não creia em nada que não possa ser relatado em imagens coloridas”.
Ainda sobre sua relação com a razão, considerando que os últimos dois Papas apreciaram muito os escritos de Chesterton, se pode dizer que ele tenha sido um escritor “ratzingeriano” pela sua defesa da razão, mas também tomista como João Paulo II?
Pergunta muito interessante, mas eu sugeriria que se fizesse uma distinção entre o tomismo e o agostinismo que Chesterton explorou. De uma parte ele foi profundamente tomista, e deste ponto de vista, mais próximo de João Paulo II. No seu grande livro sobre Santo Tomás, que Etienne Gilson considerou o mais belo livro escrito sobre o santo, ele fala da “paixão pela vida” de Tomás e insiste, contraponto Tomás a Platão, que quando as coisas materiais nos enganam isto acontece não porque sejam transitórias mas porque são, ao mesmo tempo, muito mais reais. Ele é também profundamente agostiniano na convicção que a verdade pode ser descrita através de parábolas e que todos os eventos devem ser lidos como parte de um texto sagrado. Nesta convicção, a vida humana é uma história terrestre com um significado celeste, uma re-proclamação da história do Evangelho. E me agrada acrescentar que também João Paulo (se refere a Albino Luciani, João Paulo I) foi um Papa “chestertoniano”: a sua deliciosa carta aos escritores ingleses, que se encontra no volume “Ilustríssimos Senhores” (escrita quando o Papa Luciani era Patriarca de Veneza), com a sua aguda leitura de um romance um tanto obscuro, como A Esfera e a Cruz (desconheço se existe uma tradução para o português), mostra um amor por Chesterton que é profundo e comovente.
Chesterton não teve filhos naturais. Há escritores que possam ser considerados seus filhos espirituais?
Certamente Clive S. Lewis, que atribui a Chesterton a sua conversão ao cristianismo. Também John R. R. Tolkien (autor de O Senhor dos Anéis) e Graham Greene admiravam profundamente Chesterton como também o poeta e escritor argentino Jorge Luis Borges. Conta-se que Franz Kafka quando leu “O Homem que era Quinta-feira” sem nada saber a respeito do autor, disse que estava certo de que o autor tivesse encontrado Deus. (Entre nós podemos citar Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima entre os admiradores de Chesterton)
E quais são, por outro lado, os pais espirituais de Chesterton?
Talvez a maior influência sobre Chesterton tenha sido a do pouco conhecido George MacDonald, amigo de Lewis Carrol e autor de algumas belíssimas estórias fantásticas para crianças. De MacDonald Chesterton retirou muito do seu conceito de “imaginação sacramental”. Depois John Henry Newman: o próprio Chesterton afirma ter lido todas as obras de Newman, no que se pode acreditar tranqüilamente. Diria que também Robert L Stevenson foi muito importante para Chesterton, como, obviamente foi Charles Dickens – com o seu amor por aquilo que pode ser definido o extraordinário poder das pessoas comuns – e Robert Browning a quem dedicou sua primeira e melhor biografia. Por fim, Chesterton mesmo sempre reconheceu em si a grande influência daquela filosofia derivada das leitura das fábulas, que poderíamos definir como sabedoria da humanidade.

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