Na Mulieris dignitatem, João Paulo II quis aprofudar as verdades antropológicas fundamentais do homem e da mulher, a igualdade em dignidade e a unidade dos dois, a radicada e profunda diversidade entre o homem e a mulher e a sua vocação à reciprocidade e à complementaridade, à colaboração e à comunhão (cf. n. 6). Esta unidade dupla do homem e da mulher baseia-se no fundamento da dignidade de cada pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, que "os criou homem e mulher" (Gn 1, 27), evitando tanto uma uniformidade indistinta e uma igualdade nivelada e depauperada, como uma diferença abismal e conflitual (cf. João Paulo II, Carta às Mulheres, 8). Esta unidade dual traz consigo, inscrita nos corpos e nas almas, a relação com o outro, o amor pelo outro, a comunhão interpessoal indicando "que na criação do homem foi inscrita também uma certa semelhança da comunhão divina" (n. 7). Portanto, quando o homem e a mulher pretendem ser autónomos e totalmente auto-suficientes, correm o risco de permanecer fechados numa auto-realização que considera como conquista de liberdade a superação de cada vínculo natural, social ou religioso, mas que de facto os reduz a uma solidão opressora. Em vista de favorecer e sustentar a promoção real da mulher e do homem, não se pode deixar de ter em conta esta realidade.
Sem dúvida, é necessária uma renovada investigação antropológica que, com base na grande tradição cristã, incorpore os novos progressos da ciência e o dado das hodiernas sensibilidades culturais, contribuindo deste modo para aprofundar não somente a identidade feminina, mas inclusivamente a masculina, também esta não raramente objecto de reflexões parciais e ideológicas. Diante de correntes culturais e políticas, que procuram eliminar ou pelo menos ofuscar e confundir, as diferenças sexuais inscritas na natureza humana, considerando-as uma construção cultural, é necessário evocar o desígnio de Deus que criou o ser humano, homem e mulher, com uma unidade e ao mesmo tempo uma diferença originária e complementar. A natureza humana e a dimensão cultural integram-se uma à outra num processo amplo e complexo, que constitui a formação da própria identidade, onde ambas as dimensões, a feminina e a masculina, se correspondem e se completam.
Inaugurando os trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe em Maio do ano passado no Brasil, tive a oportunidade de recordar como ainda persiste uma mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo, o qual reconhece e proclama a igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem. Existem lugares e culturas em que a mulher é discriminada ou subestimada unicamente pelo facto de ser mulher, onde se faz recurso até a argumentos religiosos e a pressões familiares, sociais e culturais para sustentar a desigualdade dos sexos, onde se perpetram actos de violência contra a mulher, tornando-a objecto de sevícias e de exploração na publicidade e na indústria do consumo e da diversão. Diante de fenómenos tão graves e persistentes, parece ainda mais urgente o compromisso dos cristãos para que se tornem em toda a parte promotores de uma cultura que reconheça à mulher, no direito e na realidade dos acontecimentos, a dignidade que lhe compete.
Deus confia à mulher e ao homem, segundo as suas próprias peculiaridades, uma vocação e missão específicas na Igreja e no mundo. Penso aqui na família, comunidade de amor aberto à vida, célula fundamental da sociedade. Nela a mulher e o homem, graças ao dom da maternidade e da paternidade, desempenham em conjunto um papel insubstituível em relação à vida. Desde a sua concepção, os filhos têm o direito de poder contar com o pai e com a mãe, para que cuidem deles e os acompanhem no seu crescimento. O Estado, por sua vez, deve apoiar com políticas sociais adequadas tudo aquilo que promove a estabilidade e a unidade do matrimónio, a dignidade e a responsabilidade dos cônjuges, o seu direito e a sua tarefa insubstituíveis de educadores dos filhos. Além disso, é necessário que inclusivamente para a mulher se torne possível colaborar para a construção da sociedade, valorizando o seu típico "génio feminino".
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