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CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II ÀS MULHERES

A vós, mulheres do mundo inteiro, a minha mais cordial saudação!

1. A cada uma de vós dirijo esta Carta, sob o signo da solidariedade e da gratidão.

(...)

Gostaria agora de me dirigir directamente a cada mulher, para reflectir com ela sobre os problemas e perspectivas da condição feminina no nosso tempo, detendo-me em particular sobre o tema essencial da dignidade e dos direitos das mulheres, considerados à luz da Palavra de Deus.

O ponto de partida deste diálogo ideal não pode ser senão um obrigado. A Igreja — escrevia na Carta apostólica Mulieris dignitatem — « deseja render graças à Santíssima Trindade pelo "mistério da mulher" — por toda a mulher — e por aquilo que constitui a eterna medida da sua dignidade feminina, pelas "grandes obras de Deus" que, na história das gerações humanas, nela e por seu meio se realizaram » (n. 31).

2. O obrigado ao Senhor pelo seu desígnio sobre a vocação e a missão da mulher no mundo, torna-se também um concreto e directo obrigado às mulheres, a cada mulher, por aquilo que ela representa na vida da humanidade.

Obrigado a ti, mulher-mãe, que te fazes ventre do ser humano na alegria e no sofrimento de uma experiência única, que te torna o sorriso de Deus pela criatura que é dada à luz, que te faz guia dos seus primeiros passos, amparo do seu crescimento, ponto de referência por todo o caminho da vida.

Obrigado a ti, mulher-esposa, que unes irrevogavelmente o teu destino ao de um homem, numa relação de recíproco dom, ao serviço da comunhão e da vida.

Obrigado a ti, mulher-filha e mulher-irmã, que levas ao núcleo familiar, e depois à inteira vida social, as riquezas da tua sensibilidade, da tua intuição, da tua generosidade e da tua constância.

Obrigado a ti, mulher-trabalhadora, empenhada em todos os âmbitos da vida social, económica, cultural, artística, política, pela contribuição indispensável que dás à elaboração de uma cultura capaz de conjugar razão e sentimento, a uma concepção da vida sempre aberta ao sentido do « mistério », à edificação de estruturas económicas e políticas mais ricas de humanidade.

Obrigado a ti, mulher-consagrada, que, a exemplo da maior de todas as mulheres, a Mãe de Cristo, Verbo Encarnado, te abres com docilidade e fidelidade ao amor de Deus, ajudando a Igreja e a humanidade inteira a viver para com Deus uma resposta « esponsal », que exprime maravilhosamente a comunhão que Ele quer estabelecer com a sua criatura.

Obrigado a ti, mulher, pelo simples facto de seres mulher! Com a percepção que é própria da tua feminilidade, enriqueces a compreensão do mundo e contribuis para a verdade plena das relações humanas.

(...)

6. Assim, o meu « obrigado » às mulheres converte-se num premente apelo a que, da parte de todos, particularmente dos Estados e das Instituições Internacionais, se faça o que for preciso para devolver à mulher o pleno respeito da sua dignidade e do seu papel. A este respeito, não posso deixar de manifestar a minha admiração pelas mulheres de boa vontade que se dedicaram a defender a dignidade da condição feminina, através da conquista de direitos fundamentais sociais, económicos e políticos, e assumiram corajosamente tal iniciativa em épocas em que este seu empenho era considerado um acto de transgressão, um sinal de falta de feminilidade, uma manifestação de exibicionismo, e talvez um pecado!

(...)

Estou convencido, porém, que o segredo para percorrer diligentemente a estrada do pleno respeito da identidade feminina não passa só pela denúncia, apesar de necessária, das discriminações e das injustiças, mas também, e sobretudo, por um eficaz e claro projecto de promoção, que englobe todos os âmbitos da vida feminina, a partir de uma renovada e universal tomada de consciência da dignidade da mulher. Ao reconhecimento desta, não obstante os múltiplos condicionalismos históricos, leva-nos a própria razão, que capta a lei de Deus inscrita no coração de cada homem. Mas é sobretudo a Palavra de Deus, que nos permite identificar com clareza o radical fundamento antropológico da dignidade da mulher, apontando-o no desígnio de Deus sobre a humanidade.

(...)

O Livro do Génesis fala da criação, de modo sintético e com linguagem poética e simbólica, mas profundamente verdadeira: « Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou varão e mulher » (Gn 1, 27). O acto criador de Deus desenvolve-se segundo um preciso projecto. Antes de mais, diz que o homem é criado « à imagem e semelhança de Deus » (cf. Gn 1, 26), expressão que esclarece logo a peculiaridade do homem no conjunto da obra da criação.

(...)Portanto, na criação da mulher está inscrito, desde o início, o princípio do auxílio: auxílio — note-se — não unilateral, mas recíproco. A mulher é o complemento do homem, como o homem é o complemento da mulher: mulher e homem são entre si complementares. A feminilidade realiza o « humano » tanto como a masculinidade, mas com uma modulação distinta e complementar.

Quando o Génesis fala de « auxiliar », não se refere só ao âmbito do agir, mas também do ser. Feminilidade e masculinidade são entre si complementares, não só do ponto de vista físico e psíquico, mas também ontológico. Só mediante a duplicidade do « masculino » e do « feminino », é que o « humano » se realiza plenamente.

(...)

9. Normalmente, o progresso é avaliado segundo categorias técnicas e científicas; ora, até sob este ponto de vista, não falta a contribuição da mulher. Mas, essas não são as únicas dimensões do progresso, antes, não são sequer as principais. Mais importante ainda é a dimensão ético-social, que diz respeito às relações humanas e aos valores do espírito: e, nesta dimensão, frequentemente desenvolvida sem alarde, a partir das relações quotidianas entre as pessoas, especialmente dentro da família, a sociedade é em larga medida devedora, precisamente ao « génio da mulher ».

A este respeito, gostaria de manifestar particular gratidão às mulheres empenhadas nos mais distintos sectores da actividade educativa, para além da família: infantários, escolas, universidades, instituições de assistência, paróquias, associações e movimentos. Onde quer que se revele necessário um trabalho de formação, pode-se constatar a imensa disponibilidade das mulheres a dedicarem-se às relações humanas, especialmente em prol dos mais débeis e indefesos. Nesse trabalho, elas realizam uma forma de maternidade afectiva, cultural e espiritual, de valor realmente inestimável, pela incidência que tem no desenvolvimento da pessoa e no futuro da sociedade. E como não lembrar aqui o testemunho de tantas mulheres católicas e de tantas Congregações religiosas femininas, que, nos vários continentes, fizeram da educação, especialmente dos meninos e meninas, o seu principal serviço? Como não pensar com espírito de gratidão a todas as mulheres que operaram, e continuam a fazê-lo, no campo da saúde, não só no âmbito das instituições sanitárias bem organizadas, mas, com frequência, em circunstâncias muito precárias, nos países mais pobres do mundo, dando um testemunho de disponibilidade que toca não raro o martírio?

10. Faço votos pois, caríssimas irmãs, que se reflicta com particular atenção sobre o tema do « génio da mulher », não só para nele reconhecer os traços de um preciso desígnio de Deus, que há-de ser acolhido e honrado, mas também para lhe dar mais espaço no conjunto da vida social, bem como da vida eclesial. (...)

A Igreja vê, em Maria, a máxima expressão do « génio feminino » e encontra n'Ela uma fonte incessante de inspiração. Maria definiu-Se « serva do Senhor » (cf. Lc 1, 38). É por obediência à Palavra de Deus que Ela acolheu a sua vocação privilegiada, mas nada fácil, de esposa e mãe da família de Nazaré. Pondo-Se ao serviço de Deus, Ela colocou-Se também ao serviço dos homens: um serviço de amor. Este mesmo serviço permitiu-Lhe realizar na sua vida a experiência de um misterioso, mas autêntico « reinar ». Não é por acaso que é invocada como « Rainha do céu e da terra ». Assim a invoca toda a comunidade dos crentes; invocam-na como « Rainha » muitas nações e povos. O seu « reinar » é servir! O seu servir é « reinar »!

Assim deveria ser entendida a autoridade, tanto na família, como na sociedade e na Igreja. O « reinar » é revelação da vocação fundamental do ser humano, enquanto criado à « imagem » d'Aquele que é Senhor do céu e da terra, e chamado a ser em Cristo seu filho adoptivo. (...)

Nisto consiste o materno « reinar » de Maria. Tendo-Se feito, com todo o seu ser, dom para o seu Filho, Ela veio a tornar-Se também dom para os filhos e filhas de todo o género humano, gerando uma profundíssima confiança em quem a Ela recorre para ser guiado pelos caminhos difíceis da vida até ao próprio destino definitivo e transcendente. Cada um chega através das etapas da própria vocação a esta meta final, uma meta que orienta o empenho na história tanto do homem como da mulher.

(...)

O futuro da Igreja, no terceiro milénio, não deixará certamente de registar novas e esplêndidas manifestações do « génio feminino ».

(...) De facto, é no doar-se aos outros na vida de cada dia, que a mulher encontra a profunda vocação da própria vida, ela que talvez mais que o próprio homem vê o homem, porque o vê com o coração. Vê-o independentemente dos vários sistemas ideológicos e políticos. Vê-o na sua grandeza e nos seus limites, procurando ir ao seu encontro e ser-lhe de auxílio. (...)

Ao mesmo tempo que, na minha oração, confio ao Senhor o bom êxito do importante encontro de Pequim, convido as comunidades eclesiais a fazer do ano em curso ocasião para uma profunda acção de graças ao Criador e ao Redentor do mundo precisamente pelo dom de um bem tão grande como é o da feminilidade: esta, nas suas múltiplas expressões, pertence ao património constitutivo da humanidade e da mesma Igreja.

Que Maria, Rainha do amor, vele pelas mulheres e pela sua missão ao serviço da humanidade, da paz, da difusão do Reino de Deus!

Com a minha Bênção Apostólica.

Vaticano, 29 de Junho de 1995, solenidade dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo.

Fonte : Vatican.va

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