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TRES GRANDES PRINCÍPIOS DE BENTO XVI EM BIOÉTICA

As questões éticas que giram em torno da vida humana têm vínculo direto com a caridade, estão ao alcance da razão humana e por sua vez repercutem -- positiva ou negativamente -- em muitos âmbitos da existência: são as três guias que orientam o ensinamento do Papa em Bioética.
Assim sintetizou um especialista neste campo, o Pe. Gonzalo Miranda, na Embaixada da Espanha ante a Santa Sé. Professor de Bioética do Ateneu Pontifício «Regina Apostolorum» de Roma, o sacerdote identifica três grandes motivos que estão caracterizando as contribuições de Bento XVI no campo da Bioética.
Questão de amar
«A caridade a favor da vida humana» -- a centralidade do amor, sublinhada em sua encíclica «Deus caritas est» --, é um desses princípios. O Papa mostra que que, «partindo do amor profundo a cada pessoa, é possível pôr em ato formas eficazes de serviço à vida», assinala o Pe. Miranda.
Seguindo o ensinamento papal, «é o amor que nos leva a acolher especialmente os mais fracos» -- continua --, ao «respeito também pelas crianças», e esta capacidade de amar é válida igualmente quanto ao embrião humano, que «deveria sempre nascer de um ato de amor», de forma que o amor está «na origem do ser humano» e na «capacidade de acolhê-lo».
Entre as conseqüências da falta da capacidade de amar, encontra-se o «inverno demográfico» sobre o qual Bento XVI alerta. «Há famílias -- recordou o especialista em Bioética, fazendo-se eco do Papa -- que têm medo do filho porque supõe um espaço na própria vida, e quando se vive só para ganhar a vida, e não para dá-la, nem para dar espaço da própria vida, tem-se medo do filho».
«Por isso o Papa se entusiasma e se alegra quando constata a capacidade de amar, que vê especialmente nas mães, ‘le mamme’, diz assim, em italiano» -- recorda; de fato, «em um encontro na diocese de Roma com sacerdotes, ele lhes dizia espontaneamente: ‘Quando cheguem em casa, digam às mamães, simplesmente: o Papa vos agradece, vos agradece porque haveis dado a vida, porque quereis ajudar esta vida que cresce e quereis construir assim um mundo humano’».
Neste contexto, de acordo com o Pe. Gonzalo Miranda, «muitos dos problemas complexos e difíceis nos quais intervêm a ciência, o direito, a teologia, a filosofia, muitos se iluminariam se soubéssemos realmente pôr no centro a capacidade de amar, de amar o outro, todos, de qualquer condição, em qualquer circunstância, nascidos ou não nascidos».
Razão natural
No campo da Bioética, outro princípio de Bento XVI está «em seu grande interesse pela busca da verdade, sua confiança na razão e na capacidade de que a razão se deixe iluminar pela fé, pela Revelação».
O Papa «confia na capacidade do homem para encontrar a verdade, ou ao menos aspectos da verdade sem que possa abrangê-la totalmente», aponta o sacerdote.
Por isso, «sublinha que a maioria dos princípios, dos conceitos que tem a ver com a iluminação dos temas de Bioética são de mera razão natural -- acrescenta --, que não requerem a fé, e que, portanto, são passíveis de ser entendidos e aceitos por toda pessoa que tenha e que queira usar a razão para entender».
Daí também que o Santo Padre aluda à lei natural -- explica o Pe. Miranda -- e ao fato de que «hoje em dia, muitas vezes não se seja capaz de entender o que a lei natural diz à razão do homem, de todo homem, porque temos uma visão deformada» dela.
Costumamos reduzi-la «aos aspectos biológicos naturalísticos; perdeu-se a visão metafísica da lei natural», «mas é preciso recuperá-la», razão pela qual o Papa convida a «fazer referência à lei natural como guia para iluminar com a razão muitos dos problemas que a Bioética enfrenta», indica o especialista.
Igualmente, o Papa assinala a necessidade de «curar a doença do asceticismo, do medo da verdade, da desconfiança da razão».
E consciente dos limites do conhecimento humano -- afirma o professor de Bioética --, o Santo Padre assinala a importância «de ter a capacidade, o valor, de tentar ir além do mero dado científico; de ir ao descobrimento do mistério do homem», porque «a ciência, por mais que progrida, e progride, nunca resolverá completamente o problema de fundo do que é o homem».
A propósito da razão, e de sua capacidade, «o Papa insiste muito na necessidade de formar as consciências» -- adverte --, porque nossa sociedade atual não percebe a enorme gravidade de problemas, como «a difusão de uma mentalidade eugênica, de seleção de embriões, ou de sua utilização para a pesquisa», por exemplo.
Repercussões e chamado à ação
De particular importância, no exame das questões bioéticas, é a capacidade do Papa para ver conexões entre elementos aparentemente independentes, vínculos que permitem apreciar «as eventuais ou seguras conseqüências, inclusive a longo prazo, de determinadas intervenções no campo da Bioética», alerta o Pe. Miranda.
É o caso -- exemplifica -- da profunda afetação da família por temas bioéticos: «em uma sociedade na qual a família se permite destruir [com o aborto] a vida que está surgindo no seio da própria mãe, e isso é legalmente aceito, significa que a família está se perdendo enquanto tal, enquanto o lugar no qual se é capaz de acolher o outro simplesmente porque é ele, a pessoa enquanto pessoa».
Dessa forma, «Bento XVI relaciona alguns temas da Bioética com matérias como a paz», por exemplo -- assinala o Pe. Miranda -- alertando que «só se a vida humana for respeitada desde a concepção até a morte natural, é possível e crível também a ética da paz, necessária e importantíssima».
«Não somos críveis quando falamos de paz e permitimos que um ser inocentes no seio de sua mãe ou em um laboratório possa ser destruído impunemente», acrescenta; mais ainda, o Papa diz que «não se pode pensar que uma sociedade possa combater eficazmente o crime quando ela mesma legaliza o delito no âmbito da vida nascente».
O Pe. Miranda considera que são palavras fortes que convidam «todos a estarem formados, e aos políticos a intervir em defesa e promoção da vida humana».
Neste sentido, o Papa também se centraliza em duas expressões para recordar que «há valores que não são negociáveis -- o direito à vida de todo ser humano, a família fundada no matrimônio e a liberdade de educação dos filhos -- e que há bens indispensáveis, como o da vida», aponta o especialista.
Em conjunto, as exortações papais se dirigem a que se tome consciência «dessas realidades para atuar, cada um desde suas possibilidades, sinceramente, a favor desses valores», conclui.

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