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A FÉ É DADA PELA GRAÇA

" “Penso, seguindo Agostinho, que fé é dada pela Graça, não acho que existam fórmulas”, disse por e-mail o médico e filósofo Luiz Filipe Pondé com exclusividade à IHU On-Line. E assinala: “Acredito ser essencial que resistamos às bobagens modernas que transformaram tudo em auto-ajuda”.
Pondé leciona no Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião e do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e é professor e pesquisador convidado em Mística Medieval da Universidade de Marburg, Alemanha. Graduado em Medicina pela Universidade Federal da Bahia e em Filosofia Pura pela USP, é mestre em História da Filosofia Contemporânea pela USP e em Filosofia Contemporânea pela Université de Paris VIII, França. Doutor em Filosofia Moderna pela USP e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv, Israel, escreveu O Homem Insuficiente. São Paulo: EDUSP, 2001; Crítica e Profecia, Filosofia da Religião em Dostoiévski. São Paulo: Editora 34, 2003 e Conhecimento na Desgraça. Ensaio de Epistemologia Pascaliana. São Paulo: EDUSP, 2004. No livro No limiar do mistério. Mística e religião. São Paulo: Paulinas, 2004, organizado por Faustino Teixeira, Pondé publicou o artigo O método de Deus. Na edição 133 da IHU On-Line, de 21-03-2005, cujo tema de capa foi Delicadezas do mistério. A mística hoje, Pondé concedeu com exclusividade a entrevista A mística judaica. Sua contribuição mais recente à IHU On-Line aconteceu com a entrevista Parricídio, niilismo e morte da tradição, quando falou sobre Dostoiévski, na edição 195, de 11-09-2006. " Entrevista com Luiz Felipe Pondé: A fé é dada pela Graça
Cristão no século XXI
Um dos motivos para ser cristão hoje seria recuperar a sabedoria da tradição cristã anterior às manias e aos dogmas modernos. Ser cristão pode significar muitas coisas. Interessa-me especificamente o modo como o pensamento cristão se constituiu como crítica do dogma humanista da perfectibilidade. Acho a reflexão sobre o orgulho central na economia psíquica humana. Acredito ser essencial que resistamos as bobagens modernas que transformaram tudo em auto-ajuda.
“Só se guarda aquilo que se dá”Penso que a obsessão pela”'esperança” atrapalha a condição cristã. Sei o quanto isso pode soar estranho para uma sensibilidade que prefere pensar mais na ressurreição como “promessa” a ser cobrada. Não penso na segunda vinda de Cristo. Quanto a argumentos em favor da crença, prefiro pensar na sofisticação do olhar cristão sobre a natureza humana. Penso, seguindo Agostinho, que fé é dada pela Graça, não acho que existam fórmulas. Quanto ao Deus Trino, a idéia de Um Deus que encarna e sofre uma dor infinita por amor a maior de todas as idéias éticas; acho risível quando o cristianismo busca seus fundamentos de reflexão ética no humanismo marxista ou qualquer “novidade” de 200 anos. A idéia da Paixão de Deus na cruz parece-me imbatível. Para além das manias exageradas do “gozo pela dor”, a chave é perceber que só se guarda aquilo que se dá.
Olhar crítico
Não me interessa o modismo ambiental e o panteísmo naturalista. Com isso, não quero desqualificar a preocupação sincera com a natureza, mas acho uma prisão “salvar” o cristianismo fazendo de Francisco de Assis um ambientalista medieval; acho que um olhar crítico sobre os excessos da sociedade do progresso e da autonomia racional e volitiva pode ser muito mais interessante.
Saber a estrutura do átomo não muda nossa condição metafísica
Acho que há compatibilidade entre os discursos de fé e razão. A “crença” na ciência é um modo novo de crendice. Nada nela nos permite acreditar nela como sistema de orientação no mundo ou de valores. Saber a estrutura do átomo, para além dos modismos quânticos (esse panteísmo requentado), em nada muda nossa condição metafísica.
Paulo de Tarso e o cristianismo
Paulo é uma fonte fortemente primária - não há cristianismo sem ele. Acho que ele seja o grande primeiro filósofo do cristianismo. A continuidade do debate interno ao judaísmo se dá nele, tratando-se de uma peça central na relação entre questões que afetam ambas as religiões e pode ser pedra de toque de um diálogo filosófico entre as duas religiões.
Desafios do cristianismo
Eu acrescentaria que uma função importante é resistir à dogmática moderna, oferecer um pouco de inércia construtiva à fúria narcísica moderna (coisa que, na minha opinião, nem toda a teologia cristã entende isso, transformando-se em torcida uniformizada da modernidade, mas enfim, como dizia Heine sobre muitos teólogos cristãos, “só se é traído pelos seus”). Penso que o cristianismo, como outras grandes tradições têm o papel e possibilidade (por serem pré-modernas) de nos ajudar a superar esse impasse e delírio que caímos nos últimos 300 anos: idolatria da ciência, obsessão pela felicidade, enfim, trazer a crítica a nós, babelianos.

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