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SE ESTAMOS EM CRISTO NÃO DEVEMOS TEMER INIMIGO ALGUM

Cristo não teme qualquer eventual concorrente, porque é superior a qualquer tipo de poder que presumisse humilhar o homem. Só Ele "nos amou e por nós se entregou" (Ef 5, 2). Por isso, se estamos unidos a Cristo, não devemos temer inimigo algum nem qualquer adversidade; mas isto significa portanto que devemos manter-nos muito firmes a Ele, sem abrandar a presa! Para o mundo pagão, que acreditava num mundo cheio de espíritos, em grande parte perigosos e dos quais era preciso defender-se, aparecia como uma verdadeira libertação o anúncio de que Cristo era o único vencedor e que quem estava com Cristo ninguém devia temer. O mesmo é válido também para o paganismo de hoje, porque os actuais seguidores de semelhantes ideologias vêem o mundo cheio de poderes perigosos. A estes é preciso anunciar que Cristo é o vencedor, de modo que quem está com Cristo, quem permanece unido a Ele, não deve temer nada nem ninguém. Parece-me que isto é importante também para nós, que devemos aprender a enfrentar todos os receios, porque Ele está acima de qualquer dominação, é o verdadeiro Senhor do mundo. Até a criação inteira Lhe está submetida, e para Ele converge como para a própria cabeça. São célebres as palavras da Carta aos Efésios, que fala do projecto de Deus de "recapitular em Cristo todas as coisas, as do céu e as da terra" (1, 10). Analogamente na Carta aos Colossenses lê-se que "por meio d'Ele todas as coisas foram criadas, as do céu e as da terra, as visíveis e as invisíveis" (1, 16) e que pacificou "pelo sangue da Sua Cruz, tanto as da terra como as dos Céus" (1, 20). Portanto não há, por um lado, o grande mundo material e, por outro, esta pequena realidade da história da nossa terra, o mundo das pessoas: tudo é um em Cristo. Ele é a cabeça da criação; também o cosmos foi por Ele criado, criado para nós porque estamos unidos a Ele. É uma visão racional e personalista do universo. E diria que não era possível conceber uma visão mais universalista do que esta, e ela convém só a Cristo ressuscitado. Cristo é o Pantokrátor, ao qual estão submetidas todas as coisas: o pensamento dirige-se precisamente para Cristo Pantocrator, que enche a bacia absidal das igrejas bizantinas, por vezes representado sobre um arco-íris para indicar a sua equiparação ao próprio Deus, a cuja direita está sentado (cf. Ef 1, 20; Cl 3, 1), e portanto também a sua inigualável função de condutor dos destinos humanos. Uma visão como esta só é concebível da parte da Igreja, não no sentido de que ela pretenda indevidamente apropriar-se daquilo a que não tem direito, mas num sentido duplo: seja porque a Igreja reconhece que contudo Cristo é maior do que ela, dado que pelo seu senhorio se alarga também para além dos seus confins, e seja porque só a Igreja é qualificada como Corpo de Cristo, e não a criação. Tudo isto significa que devemos considerar positivamente as realidades terrenas, porque Cristo as recapitula em si, e de igual modo devemos viver em plenitude a nossa específica identidade eclesial, que é a mais homogénea com a identidade do próprio Cristo. Há depois também um conceito especial, que é típico destas duas Cartas, que é o do "mistério". Uma vez fala-se do "mistério da vontade" de Deus (Ef 1, 9) e outras vezes do "mistério de Cristo" (Ef 3, 4; Cl 4, 3) ou até do "mistério de Deus, que é Cristo, no qual estão escondidos os tesouros da sabedoria e do conhecimento" (cf. Cl 3, 2-3). Isto significa o imperscrutável desígnio divino sobre o destino do homem, dos povos e do mundo. Com esta linguagem as duas Epístolas dizem-nos que é em Cristo que se encontra o cumprimento deste mistério. Se estamos com Cristo, mesmo se não podemos intelectualmente compreender tudo, sabemos que estamos no núcleo do "mistério" e no caminho da verdade. É Ele na sua totalidade, e não só num aspecto da sua pessoa ou num momento da sua existência, que traz em si a plenitude do insondável plano divino de salvação. N'Ele assume forma aquela a que se chama "a multiforme sabedoria de Deus (Ef 3, 10), porque n'Ele "habita corporalmente toda a plenitude divina" (Cl 2, 9). Portanto, de agora em diante, não é possível pensar e adorar o beneplácito de Deus, a sua soberana disposição, sem nos conformarmos pessoalmente com o próprio Cristo, no qual aquele "mistério" se encarna e pode ser visivelmente sentido. Chega-se assim a contemplar a "insondável riqueza de Cristo" (Ef 3, 8), que supera qualquer compreensão humana. Não que Deus não tenha deixado sinais da sua passagem, porque é o próprio Cristo a pegada de Deus, a sua extrema marca; mas apercebemo-nos de "qual é a largura, o comprimento, a altura e a profundidade" deste mistério "que excede toda a ciência" (Ef 3, 18-19). As categorias intelectuais sozinhas manifestam-se insuficientes e, reconhecendo que muitas coisas superam as nossas capacidades racionais, devemo-nos confiar à contemplação humilde e jubilosa não só da mente mas também do coração. De resto, os Padres da Igreja dizem-nos que o amor compreende mais do que só a razão.
PAPA BENTO XVI AUDIÊNCIA GERAL Sala Paulo VI
Quarta-feira, 14 de Janeiro de 2009

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